A aviação militar e as revoluções, 1922-1935

A década de 1920 foi marcada por inúmeros movimentos de contestação à política oligopolista praticada pelo governo federal, fruto dos interesses políticos das classes dominadoras dos estados de São Paulo e Minas Gerais; o revezamento na presidência da República, ora de candidatos de um estado, ora de outro (com eleições fraudulentas), trouxe descontentamento aos demais estados brasileiros, e, principalmente, aos militares. Despojados que haviam sido de certa influência na sociedade brasileira pelo início da década de 1920, surgiu um movimento entre os jovens oficiais – chamado de Tenentismo – que buscava o restabelecimento da ética na condução dos destinos do Brasil. Foi um movimento que pregava a abnegação do cidadão ao país: seu lema era

“À Pátria tudo se deve, nada se pede; nem mesmo compreensão.”

Na década de 1930, após a Revolução daquele ano, a qual trouxe um fim à política de oligopólios, ocorreu a Revolução Constitucionalista de 1932, organizada por lideranças do estado de São Paulo; e, em 1935, os comunistas tentaram tomar o poder pela via armada.

Vejamos então o impacto que tais movimentos contestatórios tiveram no tocante à aviação militar no Brasil:

O movimento de 1922

O episódio de 5 de julho de 1922, conhecido por “Os 18 do Forte”, viu a participação de oficiais pertencentes à Escola de Aviação Militar, incluindo o então tenente Eduardo Gomes. Em decorrência disso, a escola foi fechada, sendo reaberta apenas em novembro daquele ano.

A Revolução de 1924

Liderados pelo general da reserva Isidoro Dias Lopes, oficiais do Exército, incluindo alguns da Aviação Militar – contando-se entre esses o Ten. Eduardo Gomes – iniciam a revolta, em 5 de julho de 1924, tomando parte da cidade de São Paulo. Sob a orientação de Eduardo Gomes, os revoltosos foram os primeiros a empregar a aviação no conflito, requisitando aeronaves entre aquelas existentes na cidade. Entre os pilotos, encontravam-se o Ten.-Av. FP Antônio Reynaldo Gonçalves (da Força Pública de São Paulo) e o 3º Sgt Carlos Rodrigues Coelho; foram ainda contratados quatro pilotos, para participarem de missões: Fritz Roesler e Carlos Hudler (alemães) e Lúcio Gordine e Alberto Comelli (italianos). Foram realizadas missões de reconhecimento e lançamento de panfletos; tentou-se inclusive atacar o palácio do governo federal.

Os combates prolongavam-se já por vários dias quando o governo federal decidiu-se pelo bombardeamento da cidade. Saindo do Rio de Janeiro, a Esquadrilha de Aperfeiçoamento e a 1ª Cia de Parque de Aviação, pertencentes à Escola de Aviação Militar, foram deslocados para Mogi das Cruzes, estado de São Paulo. Foram empregados seis Bréguet 14, dois Nieuport e dois SPAD em 21 missões de observação, ligação e bombardeio. A 22 de julho tiveram início os ataques aéreos a São Paulo, já então bastante castigada pelos tiros da artilharia legalista.

Também a Aviação Naval participou da campanha, enviando as 1ª e 2ª esquadrilhas, equipadas com aviões Curtiss F-5L, Curtiss MF e HS-2L. Essas esquadrilhas realizaram missões de reconhecimento em apoio ao bloqueio naval do porto de Santos. No norte do país, para onde o movimento havia se espalhado, a Aviação Naval realizou missões contra os rebeldes.

A Revolução de 1930

A Revolução de 1930 acabou de vez com a política oligopolista que as elites do estado de São Paulo impunham ao Brasil desde os anos 20. As operações aéreas foram, no entanto, bastante modestas, tendo em vista a crise econômica pela qual passava o Brasil. Alguns aviões da Escola de Aviação Militar (três Morane 130 e um Potez 25) foram tomados por pilotos que aderiram ao movimento, unindo-se às forças rebeldes. O Potez 25 foi utilizado na região Rio de Janeiro-Juiz de Fora-Belo Horizonte em missões de reconhecimento e de lançamento de panfletos sobre tropas legalistas, conclamando ao apoio à Revolução.

Com a vitória do movimento revolucionário, um destacamento de três Potez 25 TOE da Aviação Militar foi sediado em São Paulo.

A Revolução Constitucionalista de 1932

A Revolução Constitucionalista foi movida por lideranças do estado de São Paulo contra o governo de Getúlio Vargas, líder do movimento de 1930 e presidente desde então. A revolução foi deflagrada na noite de 9 para 10 de julho de 1932 e teve a duração de 85 dias; como os rebeldes não obtiveram o apoio dos demais estados (especialmente do Rio Grande do Sul), logo viram-se cercados por tropas legalistas e foram forçados a lutar em três frentes, nas fronteiras com os estados do Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

No dia 10 de julho, o Campo de Marte foi tomado pelos rebeldes, os quais apossaram-se de dois WACO CSO e dois Potez 25 TOE. Dois outros aviões (um WACO CSO e um Nieuport Delage NiD-72) foram levados a São Paulo por pilotos simpatizantes do movimento. Também foram colocados à disposição dos rebeldes, por seus proprietários, os seguintes aviões: três de Havilland DH-60X Moth, dois Hanriot 410, um Nieuport Ni-81, um Morane-Saulnier MS29, um Curtiss JN-2 e um Caudron 93-bis. Alguns dias após o início das hostilidades um avião de transporte Latécoere 28, de propriedade da empresa francesa Aéropostale, foi requisitado pelas forças rebeldes, a fim de ser utilizado em missões de bombardeio.

Já as tropas legalistas dispunham de aviões em maior número. A Aviação Militar mobilizou o Grupo Misto de Aviação (doze Potez 25 TOE e cinco WACO CSO) e a Escola de Aviação Militar (um Amiot 122, um Nieuport Delage NiD-72 e onze de Havilland DH-60T Moth). A Aviação Naval contribuiu com quatro Vought O2U-2A Corsair da 18ª Divisão de Observação; três Martin PM e sete Savoia-Marchetti SM-55A da Flotilha Mista Independente de Aviões de Patrulha, bem como doze de Havilland DH-60 e dois Avro 504K.

WACO CSO da Aviação Constitucionalista, em 1932.
WACO CSO nº 18, da Aviação Militar.

Ambas as facções trataram também de adquirir ou colocar em uso novos aviões. Os rebeldes, sofrendo o embargo solicitado pelo governo federal aos demais países, recorreram a uma operação via Buenos Aires, a fim de adquirir aviões Curtiss O-1E Falcon fabricados no Chile. Apenas quatro destes aviões, no entanto, chegaram a ser utilizados pelos rebeldes no conflito.

Os legalistas conseguiram receber trinta e seis WACO C9O (referentes a um contrato anterior à revolução), dos quais dez foram montados e utilizados em missões de combate; houve problemas com a munição a ser utilizada nas metralhadoras e poucos desempenharam as funções de caça aos quais se destinavam.

As primeiras missões aéreas realizadas pelas duas facções foram de reconhecimento e propaganda. Já no dia 13 de julho, aviões legalistas Potez 25 TOE localizaram e atacaram tropas rebeldes; também nesse dia foi interceptado um WACO CSO rebelde, o qual conseguiu escapar. No dia 18 de julho, dois Corsair da Aviação Naval foram atacados pela artilharia antiaérea enquanto realizavam uma missão de reconhecimento armado; no decorrer desta interceptaram um Potez rebelde que conseguiu evadir-se.

Em 20 de julho, aviões legalistas bombardearam posições de artilharia dos rebeldes, reduzindo a pressão exercida sobre tropas do governo no Vale do Paraíba. No dia 21, os Corsair da Aviação Naval destruiram importante depósito de munições rebelde. No dia 29, um SM-55A escoltado por um Corsair realizam ataque a posições rebeldes em Cubatão, sem no entanto obter resultados significativos.

No dia 8 de agosto, o avião legalista Potez 25 TOE ‘A-117’, foi interceptado duas vezes por uma formação rebelde composta de dois Waco CSO e um Potez 25; na segunda ocasião, o ‘A-117’ recebe vários tiros no radiador e faz uma aterrissagem forçada atrás das linhas governistas. Esse pode ser considerado como a primeira vez em que um avião foi derrubado em decorrência de um combate aéreo na América Latina.

Os rebeldes levaram a efeito, a 1:00min do dia 13 de agosto, o primeiro ataque aéreo noturno da América Latina, contra o destacamento aéreo legalista em Resende, sem no entanto ter causado maiores danos. Nos dias 3 e 5 de setembro, três SM-55A escoltados por um Corsair atacam com sucesso o Forte de Itaipu, ocupado pelos rebeldes, causando severos danos.

Outros embates sucederam-se, seja em missões de ataque ao solo ou em encontros entre aeronaves legalistas e rebeldes. A 20 de setembro, mesmo acuados pela enorme pressão das forças do governo – os WACO legalistas, baseados em Mogi-Mirim, realizavam cinco missões diárias nesse período – os constitucionalistas atacaram com dois Falcon, um WACO e um Nieuport Delage aquele campo de aviação legalista, incendiando dois WACO no solo e danificando levemente outros dois. No dia 24 de setembro, os rebeldes executaram um ataque diversionário aos navios da Marinha de Guerra que realizavam o bloqueio de Santos, para permitir a passagem do cargueiro “Ruth” (trazendo munição e armas para os rebeldes). Um dos Falcon empregados no ataque foi abatido pela artilharia antiaérea do cruzador “Rio Grande do Sul” – ambos os tripulantes foram mortos.

Curtiss O-1E Falcon do 3º Regimento de Aviação.

Durante o ataque das forças governistas na região de Mogi-Mirim, a partir de 5 de outubro, veio a falecer o piloto legalista 2º-Ten Lauro Aguirre Horta Barbosa, quando seu avião Waco foi abatido por fogo antiaéreo.

O movimento comunista de 1935

Apoiado pelo Comintern (movimento comunista internacional), o Partido Comunista Brasileiro procurou, em 1935, tomar o poder no país através de um movimento armado. Iniciou-se com os levantes nas cidades de Natal, a 23 de novembro, e em Recife, no dia 24. A Aviação Militar imediatamente deslocou para aquela região três Vought Corsair, os quais com seus vôos sobre aquelas cidades colaboraram para a rendição dos revoltosos. Ainda se faziam sentir os efeitos da aviação como terrível arma, já demonstrada na revolução de 1932.

No Rio de Janeiro, os comunistas tentaram ocupar a Escola de Aviação Militar na noite do dia 26 de novembro. A Escola foi habilmente defendida por tropas leais ao governo, comandadas pelo Ten.-Cel. Eduardo Gomes, àquela altura figura respeitadíssima da Aviação Militar. Nove homens, entre oficiais e praças, pereceram na defesa da Escola; os militares da Arma de Aviação que se sublevaram foram expulsos do Exército.

Bibliografia:

  1. “História Geral da Aeronáutica Brasileira”, V. 2, Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, Rio de Janeiro, 1991.