Douglas A-20K

A-20K do 1º Grupo de Bombardeio Leve, Cumbica (via A. Camazano A,)

Em março de 1936, a companhia norte-americana Northrop, subsidiária da Douglas Aircraft Co., começou o desenvolvimento de uma aeronave de ataque, capaz de transportar uma razoável carga de bombas e ágil o bastante para escapar da interceptação. Projetada por John K. Northrop e Edward H. Heinemann e denominada 7A, essa aeronave deveria ser propulsada por dois motores a pistão de 450HP e transportar 1.000lb de bombas, a uma velocidade de 250MPH.

Em dezembro do mesmo ano, o 7A deu lugar ao 7B, incorporando agora os requisitos estipulados pelo U.S. Army Air Corps – USAAC, muito em função dos acontecimentos durante a Guerra Civil Espanhola. Aproveitando as asas projetadas para o 7A, o modelo 7B era uma aeronave maior, dotada de dois motores a pistão de 1.100HP, um alcance de 2.000 milhas e capacidade para transportar até 2.000lb de bombas. O nariz da aeronave poderia ter uma área transparente, para o bombardeador, ou transportar um conjunto de 8 metralhadoras fixas, para ser utilizada em metralhamento contra alvos. Era, ainda, dotada de um trem de pouso triciclo.

O primeiro vôo dessa aeronave foi a 26 de outubro de 1938, já conhecida como Douglas 7B, após a absorção da Northrop pela Douglas. O mundo encontrava-se então à beira da IIª Guerra Mundial, após a Crise de Munique, e os países europeus começaram um acelerado programa de reaparelhamento de suas forças aéreas. À época do primeiro vôo do 7B, uma comissão militar francesa encontrava-se nos Estados Unidos para adquirir aeronaves de combate e outros armamentos. Apesar da posição estritamente neutra adotada pelo governo norte-americano, até então, aquela comissão foi autorizada a avaliar o 7B; no dia 23 de janeiro de 1939, o protótipo, pilotado pelo pilotado de testes da Douglas, John C. Able, e com um oficial francês a bordo, sofreu um acidente que destruiu a aeronave. O piloto veio a falecer, mas a presença do oficial francês causou um grave escândalo político.

Apesar desse acidente, o 7B impressionou suficientemente os franceses, que fizeram uma encomenda para 100 aeronaves (posteriormente aumentada para 270), estipulando, no entanto, que fossem feitas uma série de modificações. Dentre essas, encontravam-se a necessidade de se aumentar o alcance e a carga transportável, de se adicionar blindagem, adequar a aeronave ao uso de armamento francês e de providenciar uma cabine de pilotagem com controles ao estilo francês (as manetes de potência dos motores, por exemplo, operavam na direção inversa à norte-americana) e instrumentos no sistema de unidades métrico (em oposição ao imperial, usado pelos norte-americanos e britânicos).

Essas modificações levaram Ed Heinemann a revisar o projeto original do 7B, a fim de melhorá-lo, resultando na aeronave Douglas DB-7. A fim de aumentar o alcance, o DB-7 tinha uma fuselagem mais profunda e estreita, o que reduzia o arrasto aerodinâmico e permitia transportar mais combustível; além disso, a área frontal da aeronave diminuiu, reduzindo a chance de ser atingida pela artilharia antiaérea durante um ataque ou metralhamento. Por outro lado, isso fez com que a cabine de pilotagem fosse do tipo “caça”, com lugar apenas para o piloto – caso o mesmo fosse incapacitado de pilotar, não teria como ser substituído por um dos membros da tripulação, a qual era composta ainda por um bombardeador e um metralhador. Experimentou-se por um tempo com controles reduzidos para o metralhador operar em tal situação, mas eram de tão pouca valia que foram removidos subseqüentemente.

Em termos de armamento, optou-se por se usar um nariz parcialmente coberto com transparências, para o bombardeador, e instalou-se um par de metralhadoras (Chatellerault 7,5mm, francesas) em cada lado do nariz, disparadas pelo piloto. Atrás das asas, foi instalada uma posição para o metralhador, com uma cobertura deslizante, com uma metralhadora e, no ventre, abaixo dessa posição, instalou-se outra metralhadora.

No DB-7, as asas eram montadas à meia-altura na fuselagem, e as nacelas dos motores – Pratt&Whitney R-1830-SC3-G – foram instaladas abaixo das asas, permitindo com isso que as pernas do trem de pouso tivessem uma altura aceitável. Com todas essas modificações, dentre outras, o protótipo fez seu primeiro vôo em meados de agosto de 1939 e o primeiro exemplar de série foi entregue pela fábrica da Douglas em El Segundo, Califórnia, em outubro do mesmo ano.

Era o início da carreira de uma aeronave que se tornaria famosa pelo seu desempenho em combate. Aos DB-7, seguiram-se os DB-7A, equipados com motores Wright R-2600-A5B de 1.600HP, cem dos quais foram encomendados pela França. Poucos DB-7 e DB-7A, no entanto, chegaram àquele país, antes da derrota frente à Alemanha durante a Primavera de 1940; o restante das aeronaves foi adquirida pela Grã-Bretanha e os DB-7 foram denominados Boston I e Boston II.

A Royal Air Force precisava de novos bombardeiros e aeronaves de ataque, pois os seus Fairey Battle e Bristol Blenheim haviam se demonstrado pouco eficazes durante a Campanha da França. A aquisição das aeronaves destinadas à França trouxe, no entanto, vários problemas, seja pelo armamento diferente, seja pelo funcionamento diferente dos comandos e da instrumentação no sistema métrico a bordo da cabine de pilotagem, o que veio a causar acidentes. Os Boston I e II foram considerados inadequados para serem usados como bombardeiros e foram modificados para uso como aeronaves incursoras noturnas ou de caça noturna, sendo rebatizadas como Havoc I (Intruder) ou Havoc II (Nightfighter). Alguns Havoc I e Havoc II receberam a modificação “Turbinlite”, que consistia na instalação de um holofote no nariz da aeronave, com a qual ela deveria iluminar bombardeiros noturnos alemães, os quais seriam então abatidos por caças Hawker Hurricane, porém tal sistema teve pouco sucesso. Outra idéia mal-sucedida foi a instalação de minas aéreas presas a cabos, estendidos por aeronaves Havoc III ou Havoc I (Pandora); apenas um bombardeiro foi abatido dessa forma.

Antes disso, a RAF já estava impressionada com a aeronave da Douglas e havia adquirido 150 exemplares em fevereiro de 1940 e mais 150 em abril do mesmo ano. As aeronaves adquiridas para a RAF apresentavam um nariz modificado e incorporavam armamento britânico, vindo a serem denominadas DB-7B pela fábrica e Boston III pela RAF. Alguns desses foram posteriormente equipados com quatro canhões de 20mm em um pacote instalado sob o ventre, e designados como Boston III Intruder.

Já em junho de 1939, o USAAC adquiriu 63 exemplares do A-20, como foram designados os DB-7 destinados àquele serviço. Esses eram dotados de motores Wright R-2600-7 e eram similares aos DB-7B britânicos. Sessenta dessas aeronaves foram convertidas em caças noturnos, P-70, equipadas com radar AI Mk. IV britânico e com quatro canhões de 20mm sob o ventre.

Seguiu-se então o A-20A, dotado de motores Wright R-2600-3, similar ao Boston III birtânico; o A-20B, incorporando os motores Wright R-2600-11 e equipado com metralhadores Browning 12,7mm no nariz e para o metralhador, aproximadamente 665 dos quais foram enviados à União Soviética através do Acordo “Lend-Lease”; o A-20C utilizava motores Wright R-2600-23 e tinha tanques autoselantes e melhor blindagem – encomendado pelos britãnicos, a grande maioria acabou sendo utilizado pelos soviéticos e alguns foram transferidos para o USAAC após o ataque a Pearl Harbor.

O A-20D foi uma versão leve que, aparentemente, não passou da fase de projeto. Os A-20E foram modificações dos A-20A utilizados em treinamento e desenvolvimento. Já o único A-20F resultou da incorporação de torretas dorsal e ventral, acionadas por controle remoto, e um canhão de 37mm no nariz.

A versão seguinte foi o A-20G Havoc. Ela incorporava uma série de modificações, principalmente no tocante ao armamento. O nariz transparente foi substituído por um nariz sólido, dotado de quatro metralhadoras fixas de 12,7mm ou quatro canhões de 20mm – esses utilizados apenas nos 250 primeiros exemplares da versão; na parte inferior do nariz, foram instaladas mais duas metralhadoras 12,7mm. Os primeiros 750 exemplares produzidos (blocos A-20G-1, A-20G-5, A-20G-10 e A-20G-15) tinham uma metralhadora móvel de 12,7mm no dorso e uma 12,7mm ou 7,7mm no ventre; a partir do A-20G-20, foi instalada na posição dorsal uma torreta Martin, de controle elétrico, equipada com duas metralhadoras 12,7mm, bem como se padronizou a instalação de uma metralhadora do mesmo calibre na posição ventral. Foram instalados, ainda, dois cabides embaixo de cada asa, permitindo carregar quatro bombas de 500lb; descobriu-se também que era possível transportar 4.000lb de bombas internamente, ao invés dos 2.000lb até então utilizados. Essa foi a versão mais produzida, num total de 2.850 exemplares.

O A-20J foi uma variante do A-20G, equipada com um nariz transparente, e que era utilizada como aeronave líder de bombardeio, em conjunto com os A-20G. Aproximadamente metade dos 450 exemplares produzidos foram transferidos para a União Soviética e Grã-Bretanha.

A instalação de motores Wright R-2300-29 usando as fuselagens do A-20G e A-20J levou às versões A-20H e A-20K, sendo produzidos 412 e 413 exemplares dessas variantes, respectivamente. Esses foram os últimos A-20 a saírem da linha de produção, a qual encerrou-se em 1944.

Durante a IIª Guerra Mundial, os A-20, DB-7 e Boston foram utilizados em praticamente todos os teatros de operações, incluindo Noroeste Europeu, Leste Europeu, Mediterrâneo, Norte da África e Sudoeste do Pacífico, pelas forças aéreas da França – incluindo a França Colaboracionista, de 1940 a 1942, e as unidades da França Livre – Grã-Bretanha, União Soviética, Estados Unidos e Austrália.

Os A-20K em serviço na Força Aérea Brasileira

A FAB recebeu um total de 30 aeronaves A-20K, adquiridos dos EUA através da Lei de Empréstimo e Arrendamento (“Lend-Lease”), além de um Boston III britânico, para fins de treinamento no solo.

Essas aeronaves foram utilizadas de 1944 até 1955, inicialmente pelos 1º Grupo de Bombardeio Leve – 1º GBL e 2º Grupo de Bombardeio Leve – 1º GBL, sediados em Canoas – RS e em Cumbica – SP. Em 1945, o 1º GBL foi transferido para Cumbica, e ambas as unidades deram origem, em 1947, ao 1º Esquadrão do 10º Grupo de Aviação – 1º/10º GpAv.

A-20K do 2º Grupo de Bombardeio Leve, Aeródromo Militar de Gravataí, 1945 (via A. Camazano A.)

Os A-20K receberam as matrículas 6061 a 6090 (o único Boston III recebeu a matrícula 6091). Ao final da sua carreira, os A-20K foram modificados para a realização de reconhecimento fotográfico e receberam a designação R-20.

A-20K 6062 (via N.L. Senandes).
A-20K 6085 (via A. Camazano A.)
A-20K 6085 (via A. Camazano A.)
A-20K 6085 no Museu Aeroespacial (foto Rudnei Dias da Cunha).

O R-20 6085 encontra-se hoje preservado no Museu Aeroespacial, belamente preservado, como testemunho da sua brilhante carreira na FAB, e da dedicação de todos aqueles que os voaram e os fizeram voar a serviço do Brasil.

CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS (Douglas A-20K)

  • Motor: 2 motores radiais de 14 cilindros em duas estrelas de 7, Wright Cyclone R-2600-29 de 1.850 HP
  • Envergadura: 18,69 m
  • Comprimento: 14,73 m
  • Altura: 5,35 m
  • Superfície alar: 43,10 m2
  • Peso: 7.831 kg (vazio); 12.247 kg (máximo)
  • Velocidade: 536 km/h (máxima, a 4.754 m)
  • Razão de ascensão: 499,67 m/min
  • Teto de serviço: 7.650 m
  • Alcance: 1.334 km
  • Tripulação: 1 piloto, 1 bombardeador, 2 artilheiros e (no Brasil) 1 mecânico
  • Armamento: A-20K: 2 metralhadoras fixas Browning M2 de .50 pol nas laterais do nariz; 2 metralhadoras móveis Browning M2 de .50 pol na torreta dorsal Martin 250-CE-10; 1 metralhadora Browning M2 .50 pol na posição ventral; capacidade para levar até 1.179 kg de bombas; R-20: uma câmera vertical K-17B/C e uma câmera K-20.

Perfis

A-20K 44-390.
A-20K 6071.
A-20K 6080.
A-20K 6085.
A-20K 6086.
R-20 6062.
R-20 6074.
R-20 6080.

Bibliografia:

  1. “História Geral da Aeronáutica Brasileira”, V. 3, Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, Rio de Janeiro, 1991.
  2. N.F. Lavenère-Wanderley, “História da Força Aérea Brasileira”, 2ª Ed.
  3. J. Mesko, “A-20 Havoc In Action”, Squadron/Signal Publications, No. 144, Carrolton, 1994.
  4. F.C. Pereira Netto, “Aviação Militar Brasileira 1916-1984”, Editora Revista de Aeronáutica, Rio de Janeiro, 1984.
  5. G. Wetsch, “Os Bombardeiros A-20 no Brasil”, INCAER, Rio de Janeiro, 1996