Cessna C-98/C-98A

por APARECIDO CAMAZANO ALAMINO 

A obsolescência dos grandes monomotores de Havilland Canada DHC-2 Beaver e DHC-3 Otter, além dos tradicionais, porém de menor porte Cessna 180, 185 e 206, no final da década de 70, levou à Cessna Aircraft Company a incluir em seu planejamento o projeto de uma aeronave monomotora, com propulsão a turboélice e que tivesse as dimensões adequadas para o transporte de cerca de 10 passageiros ou até uma tonelada de carga, com a possibilidade de ser equipada com esquis, para operação no Canadá, e flutuadores, para utilização nos grandes rios e lagos da América do Norte.

As ideias foram colocadas nos desenhos e uma enorme aeronave monomotora, com asa alta e trem de pouso fixo, começou a surgir. Em 1979, a partir de uma mockup, construída na escala normal, a aeronave tomou a sua forma definitiva, o que propiciou a construção do primeiro protótipo pela Pawnee Aircraft Division, da Cessna, no início de 1982.

O primeiro vôo da aeronave, que foi designada pela fábrica como Modelo 208A e o sugestivo nome de Caravan I, era realizado em Wichita – Kansas, em 9 de dezembro de 1982, com o avião matriculado N208LP, que já superou a todas as expectativas.

Esse protótipo começou a ser submetido ao programa de ensaios de praxe e conseguiu o certificado de homologação, emitido pela Federal Aviation Administration – FAA, em 23 de outubro de 1984.

Já em dezembro de 1983, mesmo sem a aeronave estar homologada, a empresa americana de carga aérea Federal Express efetivou uma encomenda inicial de 30 aeronaves, sendo que, posteriormente, mais 109 aviões foram encomendados, com opção de compra para mais 90 aeronaves do mesmo tipo, que seriam utilizadas no transporte de pequenos volumes de carga aérea entre as pequenas cidades americanas.

Prosseguindo com o sucesso das vendas iniciais, 70 aparelhos foram adquiridos por outras empresas da Europa, da Ásia e do vizinho Canadá, o que comprovou o sucesso mundial do Cessna Caravan I.

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos, antevendo o uso militar do aparelho, realizou uma detalhada avaliação do Caravan I, em meados de 1985, e designou-o militarmente como U-27A, porém, até a atualidade, o U. S. Army não adquiriu nenhuma aeronave do tipo, não obstante, essa designação militar possuir algum teor comercial embutido, que divisou a possibilidade de algumas unidades serem comercializadas para os aliados dos americanos através da Foreign Military Sales – FMS (Vendas Militares Estrangeiras).

A Cessna, para atender os requisitos de seu melhor cliente, que era a Federal Express, desenvolveu uma segunda versão do Modelo 208, que foi designada Cessna 208B e denominada de Supercargomaster, que possuía a fuselagem mais alongada, que lhe propiciava maior cubagem interna, além de um grande bagageiro ventral (o qual também pode ser adaptado à versão 208A), que tinha a capacidade de acomodar até 3,2 m3 de carga.

O protótipo da nova versão, matriculado N9767F, realizou o seu primeiro voo em 3 de março de 1986 e imediatamente obteve a encomenda inicial de 160 unidades, efetivada pela Federal Express, que os utilizaria com a mesma finalidade da versão 208A.

O Caravan I, com todas as suas características especiais, marcante simplicidade e robustez, consegue manter os seus índices de disponibilidade em até 99%, durante a maior parte de sua operação, já é considerado um grande sucesso de vendas pela Cessna, que já comercializou cerca de 1.000 aeronaves entre as suas diversas versões, e veio preencher uma grande lacuna nesse importante segmento de uso de aeronaves monomotoras de grande porte para cargas e passageiros.

PRINCIPAIS VERSÕES DO CESSNA CARAVAN I

Atendendo às expectativas do projeto da Cessna, as seguintes versões do Caravan I foram desenvolvidas:

  • Modelo 208A: Primeira versão desenvolvida, com variantes para uso com trem de pouso fixo, para transporte de carga e de passageiros, com esquis e com flutuadores;
  • Modelo 208B: Versão desenvolvida, por solicitação da Federal Express, com fuselagem alongada.

A UTILIZAÇÃO MUNDIAL DO CESSNA CARAVAN I

Pela sua grande robustez e flexibilidade, o Cessna Caravan I também começou a ser adotado para uso militar na Bolívia, Libéria e Brasil.

O CESSNA 208A CARAVAN I (C-98) NA FAB

Com a criação do Núcleo do Centro de Lançamento de Alcântara – NuCLA, pelo Decreto 88.136, de 1 de março de 1983, na cidade de Alcântara – MA (o NuCLA foi transformado em Centro de Lançamento de Alcântara – CLA pela Portaria 1.050/GM3 de 30/12/1992), foi sentida uma grande dificuldade na realização dos deslocamentos rápidos entre a Base de Lançamentos e a cidade de São Luís. Isso determinou a necessidade da utilização de uma aeronave simples, porém versátil e segura, nesse trecho, tendo em vista que teria que cruzar cerca de 20 km sobre o mar que separa Alcântara, localizada no Continente, de São Luís, que está sediada na Ilha com o mesmo nome.

Por casualidade, ocorreu um “tour” de demonstrações do Cessna Caravan I pelo Brasil, em 1986, ocasião em que tal aeronave pôde ser avaliada e conhecida pelo pessoal da FAB. Como não estava prevista na doutrina em vigor o uso de aeronaves monomotoras para as tarefas de transporte, a tentativa da Cessna não obteve sucesso para a aeronave com trem fixo, nem na versão equipada com flutuadores, que foi demonstrada posteriormente para o 1º Esquadrão de Transporte Aéreo – 1º ETA e o 7º ETA, ocasião em que não obteve aprovação pela sua pequena autonomia, em comparação com as imensas distâncias amazônicas onde iria operar.

Para solucionar o problema do CLA, inúmeras aeronaves foram estudadas e comparadas, sendo que a escolha de compra recaiu no Cessna Caravan I, que foi a aeronave que preencheu o maior número de requisitos impostos para tal missão. Assim sendo, uma aeronave foi adquirida, em fins de 1987, recebendo a designação de C-98 e a matrícula FAB 2701.

As qualidades e a robustez do Caravan levaram o Ministério da Aeronáutica, após criteriosa avaliação realizada pelo Comando-Geral do Ar – COMGAR, efetivar a aquisição de mais duas aeronaves, em meados de 1988, para dotarem a 1ª Esquadrilha do 7º ETA – 1ª/7º ETA, sediada em Boa Vista – RR, para utilização em missões de apoio ao Projeto Calha Norte, que estava em fase de implantação.

Essas duas aeronaves receberam as matrículas FAB 2702 e FAB 2703 e foram trasladadas, em voo, por pilotos da 1ª/7º ETA, de Wichita até Manaus, aonde chegaram em 18 de agosto de 1988.

C-98 2702 (foto Rudnei Dias da Cunha).

O sucesso da operação dos C-98 nas precárias pistas da Amazônia foi enorme, ocorrendo a perfeita adaptação dos mesmos ao clima e às suas dificuldades de apoio. Todos esses dados positivos levaram a FAB a optar pela compra de mais cinco aeronaves, em meados de 1989. Esses aviões foram matriculados de FAB 2704 a FAB 2708 e chegaram ao Brasil de acordo com o seguinte cronograma: FAB 2704 e 2705 dia 14/11/1989, FAB 2706 e 07 dia 30/11/1989 e o FAB 2708 no dia 31/01/1990.

As novas aeronaves foram destinadas para a 2ª/7º ETA, sediada em Porto Velho – RO, para o 1º ETA, sediado em Belém – PA, onde são utilizados em missões de apoio à Comissão de Aeroportos da Região Amazônica – COMARA e uma aeronave para dotar o II Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA II, sediado em Curitiba – PR, que a utiliza em voos de apoio aos Destacamentos de Proteção ao Voo em sua área de atuação.

A operação dos C-98 continuou normal nessas Unidades até 1995, quando as Esquadrilhas do 7º ETA foram transformadas em 1º/3º Grupo de Aviação – 1º/3º GAV e 2º/3º GAV, respectivamente, e foram equipadas com os turboélices AT-27 Tucano, acarretando a transferência dos Caravan, como aeronaves orgânicas, para as Bases Aéreas de Boa Vista – BABV e de Porto Velho – BAPV, que continuam realizando as missões de transporte de carga, de passageiros, utilitárias e operações aéreas especiais, além do constante apoio às Unidades de Fronteira do Exército Brasileiro, distribuídas na imensa Região Amazônica.

O Parque de Material Aeronáutico de Belém – PAMA BE é o órgão do sistema de Material Aeronáutico da Força Aérea Brasileira responsável pela realização das grandes revisões dessas versáteis aeronaves, que prestam inestimáveis serviços à FAB e ao Brasil nessa importante faixa de atuação.

CARAVAN DA FAB APOIA A MOMEP NOS ANDES

Desde o fim das hostilidades na guerra entre o Peru e o Equador, no início de 1995, que teve o Brasil como um dos países chamados de “garantes” da paz, o que ocasionou a criação da Missão de Observadores Militares Equador – Peru – MOMEP, sediada na cidade de Patuca (Equador), com o envio de um grupo de observadores militares brasileiros, que incluía o seu Coordenador-Geral, um general do Exército Brasileiro, para o local de litígio, que necessitavam efetuar vários deslocamentos por essa acidentada região da Cordilheira dos Andes, em sua maioria, com altitudes variando de 2.000 a 4.000 metros, o que exigia uma aeronave potente, versátil, simples e que levasse relativa quantidade de carga e de passageiros.

Devido a algumas características peculiares que iria enfrentar e que exigiriam uma aeronave robusta, confiável e que pudesse operar tanto em pistas com piso não compactado a baixa altitude, como também em pistas de grande extensão em altitudes elevadas, o C-98 foi a aeronave selecionada pela FAB para realizar essa singular e difícil missão, que teve início em 5 de agosto de 1995 e que deverá prolongar-se no decorrer dos próximos anos.

O voo realizado na região é, normalmente, a grande altitude, sendo que o nível de cruzeiro médio utilizado é de 18.000 pés (5.450 metros), chegando a existir aerovia onde o nível mínimo é de 21.000 pés (6.360 metros), pois a Cordilheira dos Andes corta a maior parte dos dois países. O C-98 fica normalmente baseado na cidade de Cuenca (Equador) e já operou nas cidades de Lima, Chiclayo, Piúra e Bágua (Peru) e Quito, Guayaquil, Cuenca, Patuca, Pastaza e Macas (Equador).

TAREFAS REALIZADAS MÉDIA MENSAL TOTAL NO PERÍODO
Tripulações Envolvidas 01 19
Horas Voadas 30:05 571:55
Combustível Utilizado 5.169 litros 98.219 litros
Carga Transportada 113,36 Kg 2.154 Kg
Civis Transportados 5,36 102
Militares Transportados 13,31 253
Estatísticas da operação do Caravan
de apoio à MOMEP, de 5/08/1995 a 2/11/1997
(Fonte: 1º ETA)

Levando-se em consideração que o Caravan não é pressurizado, houve a necessidade da instalação de kits de oxigênio, para que os tripulantes e passageiros transportados pudessem suportar as grandes altitudes voadas, o que foi conseguido com sucesso, devido a adaptações realizadas pelo Esquadrão de Suprimento e Manutenção da Base Aérea de Belém – ESM-BE, que desenvolveu o sistema de distribuição de oxigênio para a aeronave, utilizando um cilindro de oxigênio central, que o distribui ao mesmo tempo para a tripulação e eventuais passageiros. Assim, a criatividade e a iniciativa dos graduados do ESM-BE resolveram o problema.

A Unidade Aérea escolhida, a princípio, para manter uma aeronave C-98 na região em litígio, foi o 1º ETA, que vem desempenhando com maestria essa difícil missão. Nos próximos anos os C-98 de Boa Vista e de Porto Velho também deverão participar dessa missão, que assim foi elogiada pelo General-de-Divisão Gilberto Fernando Alfama Bandeira, Coordenador-Geral da MOMEP, quando de seu regresso ao Brasil, após longo período na divisa do Peru com o Equador:

“Destaco, em particular, as tripulações da aeronave Caravan C-98 que sempre cumpriram todas as missões, muitas vezes com grandes dificuldades, devido às difíceis condições do ambiente operacional, com o máximo de segurança e eficiência, elevando o nome da FAB às alturas andinas, inimagináveis em solo pátrio.

Por oportuno, ressalto que a presença da aeronave Caravan C-98, da FAB, junto à MOMEP, em apoio às atividades do Coordenador-Geral é de fundamental importância para o sucesso no cumprimento de sua missão, tendo em vista a mobilidade e a flexibilidade que lhe proporciona.”

O CESSNA 208B GRAND CARAVAN (C-98A) NA FAB

Em 1998, a FAB adquiriu cinco exemplares novos de fábrica da versão 208B Grand Caravan, designando-os como C-98A. Outros seis exemplares usados foram adquiridos entre 2001 e 2004. Essas aeronaves foram distribuídas aos 1º e 7º Esquadrões de Transporte Aéreo e ao 2º/6º Grupo de Aviação.

C-98A 2735, 5º Esquadrão de Transporte Aéreo (foto Rudnei Dias da Cunha).
C-98A 2736, Base Aérea de Anápolis (foto Ricardo Hebmüller).

Dez anos após, outros nove exemplares do modelo 208B foram adquiridos. Esses exemplares eram dotadas de um moderno painel digital (glass cockpit). Em 2011 foram adquiridos mais três exemplares e no ano seguinte, outros dois. Com isso, a frota de C-98B alcançou 25 exemplares (matriculados como FAB 2709 e FAB 2719 a FAB 2743), dos quais dois foram perdidos em acidentes (FAB 2725 e FAB 2735).

CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS (Cessna 208 Caravan I – C-98)

  • Motor: Um turboélice Pratt&Whitney PT6A-114 de 600 SHP
  • Envergadura: 15,88 m
  • Comprimento: 11,46 m
  • Altura: 4,32 m
  • Superfície alar: 25,96 m2
  • Peso: 1.748 kg (vazio); 3.629 kg (máximo)
  • Velocidade máxima: 341 km/h
  • Razão de ascensão: 318 m/min
  • Teto de serviço: 9.145 m
  • Alcance: 2.705 km (máximo)

Perfis

C-98 2701, Centro de Lançamento de Alcântara.
C-98 2701, Parque de Material Aeronáutico de Belém.
C-98 2702, 1º Esquadrão de Transporte Aéreo.
C-98 2702, 2º Esquadrão de Transporte Aéreo.
C-98 2703, 1º Esquadrão de Transporte Aéreo.
C-98 2704, Base Aérea de Natal.
C-98 2704, Centro de Lançamento de Alcântara.
C-98 2706, Base Aérea de Boa Vista.
C-98 2706, Base Aérea de Florianópolis.
C-98 2706, 7º Esquadrão de Transporte Aéreo.
C-98 2707.
C-98 2720, Sistema de Vigilância da Amazônia.
C-98 2721, 7º Esquadrão de Transporte Aéreo.
C-98A 2731, 6º Esquadrão de Transporte Aéreo.
C-98A 2732, 2º Esquadrão de Transporte Aéreo.
C-98A 2734, 1º/15º Grupo de Aviação.
C-98A 2736, Base Aérea de Anápolis.
C-98A 2741, 5º Esquadrão de Transporte Aéreo.

Bibliografia:

  1. J. Flores Jr., “Aeronaves Militares Brasileiras – 1916 – 2015”, Action Editora, Rio de Janeiro, 2015.