Vickers-Armstrong V-742D/V-789D Viscount – VC-90

por APARECIDO CAMAZANO ALAMINO

VC-90 2100; visita do Presidente da República a Santa Maria, 16/03/1957 (Arquivo Rudnei Dias da Cunha).

Durante a Segunda Guerra Mundial, os ingleses, prevendo a necessidade do incremento da aviação civil, assim como a expansão do tráfego aéreo comercial após a guerra, formaram, em 1942, uma comissão para estudar que tipos de aeronaves comerciais deveriam ser construídas para substituírem os aparelhos em uso na época que, normalmente, eram adaptações de aviões militares para a realização do transporte de passageiros.

Essa comissão, denominada de Comitê Brabazon, em homenagem ao seu líder, o herói inglês Lorde Brabazon, especificou quatro categorias de aeronaves, cujas características principais englobariam as distâncias a serem percorridas, o tipo de propulsão e a quantidade de passageiros que poderiam transportar. Dentre essas aeronaves, uma deveria ser equipada com quatro motores, transportar cerca de 30 passageiros e ter uma velocidade de cerca de 500 km/h.

O desgaste da guerra, sofrido pela Inglaterra, acarretou que somente em maio de 1945 tal comitê se reunisse novamente e já com alguns detalhes e especificações dessa nova aeronave, como o tipo de motor que seria equipada pois, logo após a guerra, as opções eram enormes nesse sentido, com o desenvolvimento de motores a jato e a turboélice.

As tecnologias aeronáuticas desenvolvidas durante a guerra obrigaram a introdução de inúmeras modificações no projeto inicial, as quais acarretaram certo atraso no programa, sendo que somente em dezembro de 1946, teve inicio a construção de dois protótipos, que foram designados como modelo 609 e chamados de Viceroy, com a capacidade para transportar 32 passageiros confortavelmente. Esses aviões estavam equipados com motores Armstrong-Siddeley Mamba, porém, com a capacidade de receber os motores turboélices Rolls-Royce Dart, que estavam em fase final de desenvolvimento.

Já equipado com os motores Dart e com uma encomenda inicial efetuada pela British European Airways – BEA, o modelo 609 foi redesignado como Modelo 630 e recebeu o sugestivo nome de Viscount, em homenagem à mudança de “status” do Governo da Índia, país que adquiriu a sua independência da Inglaterra em 1947.

Assim, em 16 de julho de 1948, o vôo inaugural do primeiro protótipo do Viscount, matriculado G-AHRF – VX211, era realizado com pleno sucesso na cidade de Wisley. As necessidades do mercado levaram a que, enquanto o primeiro protótipo era ensaiado, uma nova versão, designada Modelo 700 e já equipada com os turboélices Rolls-Royce Dart 505, de maior potência, fosse desenvolvida. Tal modelo teve a sua fuselagem alongada, o que lhe propiciou transportar até 53 passageiros.

O certificado de aeronavegabilidade do Viscount foi obtido pelo primeiro protótipo, em 26 de julho de 1950, após a realização de um grande tour pela África e Europa, que qualificou a aeronave a iniciar a sua operação comercial, com a empresa aérea britânica BEA, em 29 de julho do mesmo ano na rota Londres – Edimburgo (Escócia).

O protótipo do modelo 700, matriculado G-AMAV, realizou o seu primeiro vôo, em 19 de abril de 1950, já com várias inovações introduzidas como o sistema de prevenção de estol da aeronave.

Os testes prosseguiram e a homologação completa para o modelo 700 foi concedida em 17 de abril de 1953, ficando, assim, habilitado para realizar vôos comerciais por todo o mundo e, principalmente, entrar no concorrido mercado americano, que exigiu a introdução de cerca de 250 modificações no projeto original da aeronave, para que a mesma pudesse ser homologada para voar nos Estados Unidos.

O desenvolvimento do Viscount prosseguiu e o Modelo 800 não tardou a surgir, justamente para atender às necessidades crescentes do mercado, que exigiam uma aeronave que transportasse até 86 passageiros, o que ocasionou que sua fuselagem fosse alongada novamente e novas turbinas Dart, ainda mais potentes, fossem instaladas nesse modelo, para o atendimento dos requisitos solicitados.

O sistema de designações do Viscount utilizado pela Vickers variava de acordo com as especificações de cada cliente e a cada novo comprador, uma nova variante era alocada. Como exemplo, as versões do Modelo 700, que começavam na variante 701, chegavam até a variante 798 e as do Modelo 800, que tinham início na variante 801, alcançavam até a variante 870, porém, no geral, as diferenças eram mínimas e a aeronave era conhecida somente como Modelo 700 ou Modelo 800.

O Viscount foi fabricado até meados da década de 60, sendo que em 2 de janeiro de 1964, decolou o último avião fabricado, que teve o privilégio de fazer parte de uma encomenda realizada pela empresa estatal chinesa CAAC (Administração da Aviação Civil da China), que adquiriu seis aparelhos. Essa compra propiciou a abertura do fechado mercado da China Comunista aos aviões ocidentais.

No Brasil, além da FAB, a VASP também utilizou 16 aeronaves Viscount dos modelos 700 e 800, de 1958 até 1975, com muito sucesso.

Um total de 436 aeronaves Viscount foram produzidas e utilizadas por cerca de 60 empresas em 40 países diferentes. O seu uso comercial durou até meados da década de 70, quando a maioria das aeronaves começaram a ser desativadas, sendo desmontadas ou utilizadas para tarefas secundárias, em rotas de menor densidade e, também, como aeronave de transporte executivo.

Até 31 de março de 1980, as aeronaves Viscount tinham acumulado um total superior a 12 milhões de horas de voo e 10 milhões de pousos, o que comprova a intensidade de sua operação. A parada desse magnífico e clássico avião, encerrou a utilização de uma linhagem de aeronaves turboélices, cujas qualidades são reconhecidas até os dias atuais, como um símbolo que soube alçar os degraus do sucesso e, principalmente, quebrar os paradigmas das aeronaves movidas por motores à pistão, que eram as mais utilizadas no início dos anos 50.

PRINCIPAIS VERSÕES DO VISCOUNT

Por ser uma das primeiras aeronaves desenvolvidas exclusivamente para o transporte de passageiros, o Viscount foi fabricado em inúmeras variantes, dentro dos principais modelos, que serão descritos, a seguir:

  • Modelo 630: Foi a primeira aeronave desenvolvida. Uso como protótipo;
  • Modelo 700: Aeronave alongada e com motores mais potentes que o Modelo 630. Foram produzidas 64 variantes diferentes; e
  • Modelo 800: Avião alongado, era uma versão do Modelo 700, com motores mais potentes e capacidade para transportar até 86 passageiros. Foram produzidas 33 variantes deste modelo.

UTILIZAÇÃO MILITAR DO VISCOUNT

Apesar de ser uma aeronave essencialmente de uso comercial, o Viscount foi utilizado por vários países em atividades militares, principalmente, no transporte de autoridades. Seus principais operadores foram África do Sul, Austrália, Brasil, Índia, Inglaterra, Irã, Libéria e Paquistão.

O VISCOUNT NA FAB

Em meados da década de 50, a Presidência da República solicitou um estudo ao Ministério da Aeronáutica, com vistas à incorporação de um novo tipo de aeronave, para atender ao Presidente da República em seus deslocamentos pelo País e até para o exterior.

Nessa época, o Grupo de Transporte Especial – GTE, sediado no Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro, operava os veteranos Douglas VC-47 (aeronave com configuração interna para o transporte de autoridades), que eram os aparelhos utilizados para o transporte das mais altas autoridades da Nação.

A ideia da transferência da Capital Brasileira para o Planalto Central, mostrou que o GTE necessitava de uma aeronave mais rápida e moderna, principalmente, para ligar Brasília e o Rio de Janeiro na realização de sua importante missão: “Conduzir os que conduzem o Brasil”!

Após a análise de todos os aviões com tal perfil, existentes à época, a escolha recaiu no já provado Vickers Viscount, que estava em uso comercial corrente, em diversos países. A compra foi efetivada no início de 1956, com a aquisição de duas aeronaves, que foram adequadas e configuradas para uso executivo, além de estarem dotadas com o que havia de mais avançado em termos de equipamentos e aviônica de então.

As aeronaves foram designadas VC-90 e matriculadas como FAB 2100 e FAB 2101, sendo destinadas ao GTE e com a incumbência de atendimento exclusivo à Presidência da República.

VC-90 2100 (Arquivo A. Camazano A.)

 

O primeiro avião, matriculado FAB 2100, era do Modelo 700, na variante 742D, que tinha sido originalmente fabricado para a empresa aérea norueguesa, tendo, inclusive, recebido a matricula LN-SUN. O contrato com tal empresa foi desfeito e a aeronave acabou sendo destinada à FAB.

Essa aeronave realizou o seu primeiro vôo em 24 de julho de 1956, sendo entregue à FAB em 7 de novembro do mesmo ano, passou pelo processo de configuração interna para o transporte de autoridades e iniciou o seu traslado para o Brasil em 1º de fevereiro de 1957. Como curiosidade, seu preço, em valores da época, foi de CR$ 53.550.000,00.

O segundo Viscount, matriculado FAB 2101, também era do modelo 700, porém de uma variante mais moderna, ou seja, a 789D, que já incorporava alguns itens que haviam sido desenvolvidos para o Modelo 800.

VC-90 2101 (via N.L. Senandes).
VC-90 2101 (via A. Camazano A.)

O seu primeiro voo ocorreu em 1º de dezembro de 1957, sendo entregue à FAB no dia 23 do mesmo mês. Após sofrer as adaptações e transformações internas, deixou a Inglaterra em 6 de outubro de 1958. O seu preço foi de CR$ 117.043.215,00, ou seja, mais que o dobro do FAB 2100.

As duas novas aeronaves deram um novo alento ao GTE da época, pois com a sua segurança, velocidade e conforto, o Viscount mostrou-se como a aeronave ideal para o transporte de autoridades, adaptando-se perfeitamente às condições climáticas e operacionais do Brasil.

O FAB 2100, transportando o então Presidente Arthur da Costa e Silva, no dia 08 de dezembro de 1967, no trecho Brasília – Rio de Janeiro, quando, ao pousar no Aeroporto Santos-Dumont, colidiu com o seu trem de pouso principal nas pedras que antecedem a cabeceira daquela pista, vindo a sofrer graves danos, que acarretaram a sua perda total, porém, sem acarretar vítimas entre seus ocupantes.

Com a chegada das novas aeronaves British Aircraft Corporation “One-Eleven”, em fins de 1967, para atender à Presidência da República, o Viscount FAB 2101 foi transferido para o 1º/2º Grupo de Transporte – 1º/2º GT, em 29 de maio de 1969, onde passou a ser utilizado, após as devidas adequações de sua configuração interna, com a colocação de poltronas, para o transporte de passageiros das linhas do Correio Aéreo Nacional.

Durante sua operação no 1º/2º GT, que prolongou-se até fins de 1971, o FAB 2101 voou 979:55 horas, regressando, então, para o GTE, onde passou a ser utilizado novamente no transporte de autoridades, sendo, normalmente, alocado ao atendimento de delegações estrangeiras em visita ao Brasil ou no deslocamento de ministros brasileiros a países sul-americanos e até da África. As grandes revisões e a assistência técnica aos Viscount eram proporcionadas pela VASP.

HORAS VOADAS PELOS VISCOUNT DE 1959 A 1987
ANO HORAS TOTAL ANO HORAS TOTAL
1959 299:10 299:10 1973 513:55 5.786:35
1960 659:20 958:30 1974 469:55 6.256:30
1961 720:15 1.678:45 1975 465:40 6.722:10
1962 770:35 2.449:20 1976 440:15 7.162:25
1963 527:35 2.976:55 1977 511:35 7.674:00
1964 475:45 3.452:40 1978 328:40 8.002:40
1965 512:45 3.965:25 1979 686:25 8.689:05
1966 426:00 4.391:25 1980 555:40 9.244:45
1967 337:10 4.728:35 1981 585:40 9.830:25
1968 344:05 5.072:40 1982 611:45 10.442:10
1969 15:35 5.088:15 1983 1.046:25 11.488:35
1970 0:00 5.088:15 1984 921:10 12.409:45
1971 0:00 5.088:15 1985 840:50 13.250:35
1972 184:25 5.272:40 1986 1.093:50 14.344:25
TOTAL GTE 1987 04:05 14.348:30
TOTAL 1º/2º GT De 1969 a 1971 979:55
TOTAL FAB 15.328:25
Fonte: Estatísticas do GTE e 1º/2º GT

O Viscount FAB 2101 foi utilizado pelo GTE até o dia 20 de janeiro de 1987, quando, na rota Brasília – Campo dos Afonsos, pilotado pelo então Ministro da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Octávio Júlio Moreira Lima, realizou o seu último vôo, com destino ao Museu Aeroespacial – MUSAL, onde permanece preservado, como um marco da excelência dos serviços que prestou à FAB e ao Brasil, no transporte de suas mais altas autoridades.

Como curiosidade, no final dos anos 70 e até a sua ida para o MUSAL, o Viscount passou a ser chamado carinhosamente de “O Cafona”, por ser tão antigo e estar até deslocado no tempo, ao lado de tantas aeronaves modernas e velozes. No entanto, nunca deixou de ser admirado e respeitado por todos que o utilizaram como tripulantes, mecânicos ou como passageiros VIP que tanto transportou!

CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS (Vickers-Armstrong V-742D/V-789D Viscount – VC-90)

  • Motor: 4 turboélices Rolls-Royce Dart Mk. 506 de 1.740 SHP
  • Envergadura: 28,56 m
  • Comprimento: 24,73 m
  • Altura: 8,15 m
  • Superfície alar: 89,46 m2
  • Peso: 17.199 kg (vazio); 29.257 kg (máximo)
  • Velocidade máxima: 537,74 km/h
  • Razão de ascensão: 366 m/min
  • Teto de serviço: 8.320 m
  • Alcance: 2.363 km (máximo, sem “slipper tank”)

Perfis

VC-90 2100 (Modelo V-742D), Grupo de Transporte Especial; 1º esquema de pintura.
VC-90 2100 (Modelo V-742D), Grupo de Transporte Especial; 2º esquema de pintura.
VC-90 2101 (Modelo V-789D), 1º/2º Grupo de Transporte; 2º esquema de pintura.
VC-90 2101 (Modelo V-789D), Grupo de Transporte Especial; 1º esquema de pintura.
VC-90 2101 (Modelo V-789D), Grupo de Transporte Especial; 2º esquema de pintura.
VC-90 2101 (Modelo V-789D), Grupo de Transporte Especial; 3º esquema de pintura.

Bibliografia:

  1. F.C. Pereira Netto, “Aviação Militar Brasileira 1916-1984”, Editora Revista de Aeronáutica, Rio de Janeiro, 1984.