O 1º Grupo de Aviação de Caça na Campanha da Itália, 1944-1945.

O 1º Grupo de Aviação de Caça (1º Gp Av Ca) foi criado através do Decreto-Lei Nº 6.123, de 18 de dezembro de 1943. Seu comandante foi o Maj.-Av. Nero Moura, posteriormente promovido a tenente-coronel-aviador.

Maj.-Av. Nero Moura.

O Grupo tinha um efetivo de 350 homens, incluindo 43 pilotos, e foi enviado ao Panamá para ser treinado como unidade de caça pela USAAF, uma vez que seus pilotos já tinham bastante experiência de voo e, até mesmo, em missões de guerra. Um de seus pilotos, o 2º Ten.-Av. Alberto Martins Torres, pilotava uma aeronave de patrulha PBY-5 Catalina, com o qual ele e sua tripulação afundaram o submarino alemão U-199, em 1943.

O emblema do Grupo

1º Grupo de Aviação de Caça (1944-1945).

O emblema do 1º Gp Av Ca foi idealizado pelos Ten.-Av. Rui Moreira Lima, Ten.-Av. José Rebelo Meira de Vasconcelos, Ten.-Av. Lima Mendes e pelo Cap.-Av. Fortunato C. de Oliveira, e desenhado por este último, quando do deslocamento do Grupo para a Itália, a bordo do navio transporte UST Colombie.

Sua composição pode ser descrita, conforme as palavras do próprio autor, como segue:

  • A moldura auriverde simboliza o Brasil;
  • O campo rubro sobre o qual se situa o avestruz guerreiro representa o céu de guerra onde combatiam os pilotos de caça;
  • A parte inferior, onde está pousada a figura principal, são as nuvens brancas, o chão do aviador;
  • O escudo azul com a constelação do Cruzeiro do Sul é o símbolo usual que caracteriza as forças armadas do Brasil;
  • O avestruz representa o piloto de caça brasileiro, tendo como inspiração a fisionomia do Ten.-Av. Lima Mendes, com seu perfil aquilino, e ainda o estômago dos veteranos do 1ºGpAvCa;
  • O quepe branco caracteriza mais nitidamente a sua nacionalidade (parte do uniforme da FAB, à época);
  • A arma empunhada pelo avestruz é a representação do poder de fogo do P-47, com suas oito metralhadoras .50;
  • O dístico “Senta a Pua!” é o grito de guerra do 1ºGpAvCa;
  • O risco, à direita, que é encimado pela explosão de um obus, foi acrescentado posteriormente, quando o 1º Gp Av Ca entrou em combate, e representa a incessante e certeira ação da artilharia antiaérea inimiga que fustigava os caçadores no teatro italiano (tal adição só apareceu nas aeronaves recebidas como reposição por perdas).

O uso de uma avestruz como símbolo dos pilotos de caça brasileiros remonta ao início da década de 40, quando pilotos brasileiros eram enviados aos Estados Unidos para transladarem, por via aérea, as inúmeras aeronaves adquiridas pelo Brasil, tanto de combate como de treinamento. A estada naquele país trouxe aos pilotos novidades quanto aos hábitos alimentares: feijão açucarado (“baked beans”), ovos e leite em pó, dentre outros. O então Cel.-Av. Geraldo Guia de Aquino comparou-os a um bando de avestruzes e o apelido pegou.

O grito de guerra “Senta a Pua!” foi sugerido pelo então Ten.-Av. Rui, o qual ouvira-a do então Cap.-Av. Firmino Alves de Araujo, na Base Aérea de Salvador; era uma expressão que concitava os companheiros e subordinados a cumprirem rapidamente as missões e ordens que dele recebiam. Ficou sendo, para a FAB, o equivalente ao “Tally-Ho!” britânico e ao “A la chasse!” dos franceses.

O treinamento no Panamá e nos EUA

Antes de ser enviado para a Itália, os pilotos do Grupo foram enviados a bases da 6ª Força Aérea dos EUA, no Panamá, para receber treinamento nas modernas táticas de combate aéreo. As aeronaves empregadas para tal eram versões do Curtiss P-40, os quais já haviam sido pilotados pelos pilotos do Grupo no Brasil.

No Panamá, o Grupo sofreu sua primeira baixa — o 2º Ten.-Av. Dante Isidoro Gastaldoni morreu quando seu P-40C chocou-se contra o solo. No dia 11 de maio de 1944, o Grupo foi declarado operacional e passou a operar de forma independente nas missões de proteção à Zona do Canal.

Em 22 de junho, o Grupo foi enviado aos EUA para um curso de conversão operacional no Republic P-47D Thunderbolt, avião que iria equipar o Grupo.

O 1º Gp Av Ca embarcou para a Itália em 19 de setembro de 1944, chegando em Livorno no dia 6 de outubro, a bordo do navio transporte de tropas UST Colombie, tripulado por marinheiros franceses.

350th Fighter Group USAAF. A inscrição em arábico significa “Ousadia e Vigor”. O brevê da Royal Air Force na parte inferior do emblema alude à participação de seus primeiros pilotos naquela força aérea no início da II Guerra Mundial.

Passou então a fazer parte do 350th Fighter Group (350th FG) da US Army Air Force (USAAF), unidade formada em 1º de outubro de 1942 na Inglaterra. Muitos dos seus primeiros pilotos haviam servido na Royal Air Force ou na Royal Canadian Air Force.

Quando dos desembarques anglo-norte-americanos no Norte da África (Operação “Torch”), o 350th FG foi transferido para aquele Teatro de Operações e seguiu com os Aliados a longa subida pela Itália, a partir de 1943.

O 350th FG era formado, até a chegada do 1ºGpAvCa, por três esquadrões: 345th Fighter Squadron (“Devil Hawk Squadron”), 346th FS (“Checker Board Squadron”) e 347th FS (“Screaming Red Ass Squadron”).

Quando da incorporação do 1º Gp Av Ca – o qual era conhecido como “1st Brazilian Fighter Squadron – 1st BFS” – ao 350th FG, esse era subordinado à 62nd Fighter Wing, XXII Tactical Air Command, 12th Air Force USAAF. Os códigos dos esquadrões para comunicação via rádio eram os seguintes: 345th FS, “Lifetime”; 346th FS, “Minefield”; 347th FS, “Midwood”; e 1º Gp Av Ca, “Jambock”.

O pessoal de terra

Em qualquer unidade aérea de combate, o pessoal de terra – mecânicos, armeiros, técnicos em rádio, inteligência, intendentes, médicos e enfermeiros – são aqueles que fazem com que um punhado de homens – os pilotos – possam desempenhar as missões a eles atribuídas.

Também assim foi com o 1º Gp Av Ca, que valeu-se de mais de 300 homens para garantir o funcionamento da unidade. Comandados pelo Maj.-Av. Marcilio Gibson Jacques, homem de extrema capacidade de organização e comunicação com a tropa, enfrentaram com determinação toda a sorte de desafios trazidos pela guerra – como resultado, o 1º Gp Av Ca foi uma das unidades que apresentou os maiores índices de disponibilidade de equipamento durante a campanha.

Mecânicos trabalhando nos P-47D do Grupo.

Médicos e enfermeiras

Também foi enviado à Itália um grupo de oficiais médicos e enfermeiras da FAB, entre eles o Ten.-Med. Luthero Vargas, filho de Getúlio Vargas, à época presidente do Brasil. Alguns dos médicos serviram no US 12th General Hospital, em Livorno, enquanto o Cap.-Med. Thomas Girdwood operou com o Grupo – foi o primeiro “médico de esquadrão” da FAB, apesar de tal função não existir à época.

Já as enfermeiras – 2º Tenentes Isaura, Antonina, Judith, Ocimara, Regina e Diva – acompanharam o 1º Gp Av Ca desde o treinamento nos E.U.A. até o final da guerra.

Médicos e enfermeiras da FAB na Itália.

Em ação!

Os pilotos brasileiros voaram inicialmente, a partir de 31 de outubro de 1944, como elementos de esquadrilhas dos esquadrões norte-americanos do 350th FG. A partir do dia 11 de novembro, o Grupo passou a montar suas próprias operações, voando a partir de sua base em Tarquinia, usando o indicativo de chamada Jambock.

O Grupo era dividido em quatro esquadrilhas, Vermelha, Amarela, Azul e Verde. Cada esquadrilha era composta por 12 pilotos aproximadamente, os quais voavam em conjunto desde o seu treinamento no Panamá.

O comandante do Grupo e alguns outros oficiais não eram ligados a qualquer esquadrilha. Cabe salientar que, apesar de ser designada como “Grupo” pela FAB, na verdade o 1º Gp Av Ca tinha efetivo equivalente ao de um esquadrão na USAAF.

Caças P-47D da Esquadrilha Verde, indicada pela letra “D”, seguida do número da aeronave.

Os pilotos brasileiros haviam sido treinados nos EUA para operações de caça — mas quando o 1º Gp Av Ca chegou à Itália, as atividades da Luftwaffe naquele teatro de operações eram quase inexistentes! Assim foi que o Grupo iniciou suas atividades como uma unidade de caça-bombardeiro, em missões de reconhecimento armado e interdição, em suporte ao 5º Exército Norte-Americano, ao qual a Força Expedicionária Brasileira estava ligada.

1º Gp Av Ca em Tarquínia.

Tarquínia era uma base aérea como muitas outras, com pistas de pouso preparadas com a colocação de placas de aço perfuradas (“pierced steel planks”, PSP) no chão. Porém, no inverno europeu, elas viravam um mar de lama, prejudicando as operações aéreas e tornando a manutenção das aeronaves bastante difícil. Por isso, em 4 de dezembro de 1944, o 350th FG foi transferido para Pisa, 200 km a noroeste, para uma antiga base da força aérea italiana, que oferecia melhores condições de emprego e, além disso, era bem mais próxima da linha de frente, aumentando assim a autonomia de voo dos Thunderbolts.

No dia 16 de abril de 1945, o 5º Exército Norte-Americano iniciou sua ofensiva ao longo do rio Pó. Nesta data, o Grupo estava reduzido a 25 pilotos, alguns tendo sido mortos em combate e alguns outros, abatidos atrás das linhas inimigas, tendo sido capturados. Além disso, alguns pilotos haviam sido proibidos de voar em função da fadiga causada pelas missões de combate. Com isso, a esquadrilha Amarela foi desativada, com os seus pilotos remanescentes tendo sido redistribuídos entre as demais esquadrilhas. Cada piloto voava em média duas missões diárias.

Pilotos do Grupo recebendo as instruções antes de uma missão.

No dia 19 de abril, o “front” alemão foi quebrado; tal fato, de grande importância, foi primeiro detectado por uma patrulha do Grupo e comunicado ao QG. As forças Aliadas necessitavam agora estabelecer uma cabeça de ponte sobre o Pó, antes que as forças alemãs em retirada o cruzassem. Isto seria realizado no dia 23 de abril, após as defesas alemãs sofrerem interdição aérea no dia anterior.

O 22 de abril de 1945

O dia amanheceu frio, encoberto e com nevoeiro. As três esquadrilhas do Grupo levantaram voo a partir das 8h30min a intervalos de 5min entre cada uma, a fim de atacar alvos na região de San Benedetto, destruindo pontes, balsas e veículos motorizados.

Às 10h00min, uma esquadrilha levantou voo para uma missão de reconhecimento armado ao sul de Mantua, destruindo mais de 80 caminhões e veículos. Outros aviões do Grupo atacaram posições fortificadas alemãs, tanques e balsas.

Ao final do dia, o Grupo havia voado 44 missões individuais, tendo destruído mais de 100 veículos e outros alvos. Dois P-47s foram avariados pela “Flak” e um terceiro foi abatido, tendo sido capturado pelas forças alemãs o 2º Ten.-Av. Armando de S. Coelho.

Esse foi o dia no qual foram despachadas o maior número de missões de combate pelo Grupo, e por isso é comemorado pela FAB como o Dia da Aviação de Caça.

Os resultados

O 1º Gp Av Ca voou um total de 445 missões, 2.550 missões individuais e 5.465 horas de vôo em combate, de 11 de novembro de 1944 a 4 de maio de 1945.

O “XXII Tactical Air Command” reconheceu a eficiência exibida pelo Grupo, atestando que, no período entre 6 e 29 de abril de 1945, ele voou apenas 5% do total de missões efetuadas por todos os grupos sob seu controle, porém destruiu:

Os feitos do 1º Gp Av Ca durante a Campanha da Itália foram ainda mais enaltecidos no dia 22 de abril de 1986. Nesse dia o Grupo recebeu, das mãos do Sr. Embaixador dos EUA no Brasil, acompanhado do Secretário da Força Aérea dos EUA, a Presidential Unit Citation (Air Force) (também conhecida como “Blue Ribbon”) concedida pelo governo norte-americano. Na cerimônia, encontravam-se presentes vários dos veteranos do 1º Gp Av Ca na II Guerra Mundial.

Para nós brasileiros, é motivo de orgulho sabermos que, à parte outras poucas unidades da USAAF, apenas o 1º Gp Av Ca e duas unidades da Royal Australian Air Force – os Esquadrões 2 e 13 – foram agraciadas com tal comenda por seus feitos na II Guerra Mundial, como foi dito pelo Secretário da US Air Force na cerimônia de outorga da Presidential Unit Citation:

“Seus feitos permanecerão vivos enquanto os homens voarem. Suas vitórias, no campo de batalha, estarão em nossos corações enquanto os homens honrarem o heroísmo e a coragem.”
E. Aldridge Jr., Secretário da USAF.

Bibliografia:

  1. L.F. Perdigão, “Missão de Guerra”, Biblioteca do Exército-Editora, Rio de Janeiro, 1958.
  2. R. Moreira Lima, “Senta a Pua”, 2ª Edição, Itatiaia, Belo Horizonte e Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, Rio de Janeiro, 1989.
  3. C. Lorch, “A Caça Brasileira – nascida em combate”, Action Editora, Rio de Janeiro, 1993.
  4. R.D. da Cunha, Os Esquadrões da Fita Azul. Revista Força Aérea, a. 4, n. 15, p. 110-113, 1999.