Dassault F-103DBR/EBR Mirage III

por APARECIDO CAMAZANO ALAMINORUDNEI DIAS DA CUNHA

F-103E 4914 (foto Rudnei Dias da Cunha).

Após a Segunda Guerra Mundial, a Força Aérea Francesa – FAF passou a operar exclusivamente aeronaves de combate estrangeiras, principalmente de procedência americana, o que lhe acarretava certa dependência, além do atraso tecnológico de sua indústria aeronáutica, com tantas tradições no passado.

A Guerra da Indochina comprovou aos franceses que a sua Indústria aeronáutica deveria voltar a desenvolver e a produzir aeronaves de todos os tipos, principalmente de combate, a fim de dotar as Forças Armadas do País com os meios aéreos de que tanto necessitavam e sem depender de outras nações.

Nesse contexto, em meados dos anos 50, a Indústria Aeronáutica Avions Marcel Dassault – AMD iniciou estudos para o desenvolvimento de uma aeronave de caça que atendesse aos requisitos estabelecidos pela FAF. Essa aeronave seria o ponto de partida para uma família de caças de sucesso que, além de suprir as necessidades da França, poderia ser um grande trunfo nas exportações do País.

Esse primeiro caça interceptador leve da AMD foi denominado Dassault MD-550 Mirage I, cujo sugestivo nome assim foi explicado pelo seu construtor:

“O nome Mirage foi minha idéia e o avião será como uma visão no deserto: o inimigo o verá… mas jamais o tocará”.

O Mirage I efetuou o seu primeiro voo em 25 de junho de 1955, impulsionado por dois motores Rolls-Royce Viper, de 794 Kg de empuxo, ocasião em que já demonstrou boa manobrabilidade e robustez.

O projeto inicial passou por diversos aperfeiçoamentos, que proporcionaram a construção do primeiro protótipo do Mirage III, já equipado com um motor francês SNECMA Atar 101G, de 4.500 Kg de empuxo, que efetuou o seu voo inicial em 18 de novembro de 1956.

A primeira aeronave de série do Mirage III voou em 9 de outubro de 1960 e serviu de base para a construção do modelo que seria o caça interceptador padrão da FAF para a década de 60: O Mirage IIIC. A versão inicial do Mirage III foi designada como Mirage IIIA e a sua versão biposta (dois lugares) ficou conhecida como Mirage IIIB, que realizou o seu primeiro voo em 20 de outubro de 1959.

As necessidades de adaptar o Modelo IIIC para uma aeronave de múltiplas funções, levaram a AMD a iniciar estudos para potenciar o modelo já provado como interceptador em uma variante que atendesse aos requisitos da FAF em tarefas de interceptação e, também, de ataque ao solo.

Tal versão, que foi denominada de Mirage IIIE, passou por inúmeras modificações estruturais dentre as quais se destacam o alongamento de sua fuselagem, a realocação das entradas de ar do motor que foram recuadas em relação à cabina de pilotagem, o enflechamento das asas em delta ficou estabelecido em 56° 35′, foram colocados quatro pontos de fixação sob as asas, onde poderiam ser instalados tanques adicionais de combustível ou armamentos, assim como a aeronave foi equipada com um reator SNECMA Atar 09C, de 6.185 Kg de empuxo com pós-combustão.

Seus equipamentos eletrônicos incluíam um radar monopulso Thomson-CSF Cyrano II, com capacidade de operar nos modos de busca, seguimento, interceptação ar-ar, ar-terra e mapeamento do solo. Quanto à sua configuração de armamentos, a aeronave foi equipada com dois canhões de cano simples DEFA 552, de 30mm, que lhe proporcionavam uma cadência de tiro de 1.200 a 1.400 projéteis por minuto, além de um míssil Matra R530, equipado com guiagem infravermelha, alocado na estação central da fuselagem da aeronave.

O primeiro protótipo do Mirage IIIE efetuou o seu voo inaugural em 05 de abril de 1961 e a primeira aeronave de série foi entregue em 14 de janeiro de 1964, sendo imediatamente entregue à FAF, que fez uma encomenda inicial de 188 unidades, para serem utilizadas como aeronave de múltiplas funções, incluindo o ataque nuclear tático.

Com o extraordinário sucesso alcançado, o Mirage IIIE começou a ser pretendido por muitos países, fato que levou algumas nações a adquirirem a autorização para a sua fabricação sob licença, dentre as quais se destacaram: África do Sul, Austrália, Israel e Suíça. A versão biposto do Mirage IIIE foi designada como Mirage IIID e mantém quase todas as características do monoposto, menos o radar Cyrano II, devido ao afinamento de seu “nariz”, não obstante, ter mantido os dois canhões de 30 mm para treinamento e emprego operacional.

A enorme robustez e polivalência da aeronave propiciou o desenvolvimento de outras versões, incluindo algumas de reconhecimento e outras de ataque ao solo. Algumas variantes fabricadas sob licença pela Bélgica e denominadas de Mirage 5, são desprovidas de radar. Nos anos 80, surgiu a última variante atualizada da família, com a utilização do mesmo tipo de célula, que ficou conhecida como Mirage 50, equipada com o motor Atar 09K.

Os Mirage IIIE foram exaustivamente provados em combate, com grande destaque para a sua utilização, em 1967, por Israel na Guerra dos Seis Dias contra os Países Árabes. Já no conflito entre a Índia e o Paquistão, ocorrido em 1971, os pilotos paquistaneses conseguiram importantes vitórias utilizando os Mirage IIIEP nos sangrentos combates realizados contra os aviões hindus.

Mais recentemente, na Guerra das Falklands/Malvinas em 1982, os pilotos argentinos empregaram os Mirages IIIEA contra os ingleses com destacado sucesso, tendo em vista as inóspitas condições de sua utilização. Finalmente, a África do Sul foi o quarto país a utilizar o Mirage III nos recentes conflitos contra os guerrilheiros baseados na Namíbia, ocasião que obteve grandes resultados nos ataques.

Inúmeras atualizações foram acrescentadas à frota de Mirage IIIE produzida e ainda em uso em diversos países, como a introdução de canards, novos radares e sistemas de navegação mais atualizados, o que propiciará a sua utilização além do ano 2000 na maioria das Forças Aéreas que empregam este magnífico avião, que teve cerca de 1.410 unidades produzidas nas variantes Mirage III, 5 e 50.

PRINCIPAIS VERSÕES DO MIRAGE III

A versatilidade da aeronave propiciou o desenvolvimento de inúmeras variantes, justamente para atender alguns requisitos de países operadores da aeronave, que preferiam utilizar aeronaves de caça, ataque, treinamento e reconhecimento em um mesmo tipo de célula, a saber:

Mirage IIIA: Aeronave de pré-série. Dez unidades construídas para a França;
Mirage IIIB: Versão biposta do Mirage IIIA. Foram produzidas 66 aeronaves;
Mirage III-BJ/L/S/Z: Similar ao IIIB, feitas para Israel (BJ), Líbano (BL), Suíça (BS) e África do Sul (BZ);
Mirage IIIC: Interceptador para qualquer tempo, com capacidade para ataque diurno, já equipado com turbinas SNECMA Atar 09B. Foi o caça padrão da França até a chegada do Mirage IIIE;
Mirage III-CJ/CZ: Similar ao IIIC, construídas para Israel (CJ) e África do Sul (CZ);
Mirage IIIE: Versão de longo raio de ação, sendo um aperfeiçoamento do Mirage IIIC. Foi a variante mais fabricada de toda família de Mirages III;
Mirage III-EL/EP/EZ/EBR/EA/EAD/EV/EE/CJ: Versão do IIIE fabricada para vários países, a saber: Líbano (EL), Paquistão (EP), África do Sul (EZ), Brasil (EBR), Argentina (EA), Abu Dhabi (EAD), Venezuela (EV), Espanha (EE) e Israel (CJ);
Mirage III-O: Versão do Mirage IIIE construído na Austrália;
Mirage III-S: Versão do Mirage IIIE fabricado na Suíça;
Mirage IIID: Versão biposta do Mirage IIIE, utilizado no Brasil como IIIDBR;
Mirage IIIR: Versão de reconhecimento do Mirage IIIE;
Mirage III-RD: Similar ao IIIR, construída para a França (RD), África do Sul (RZ e RDZ), Paquistão (RP) e Suíça (RS);
Mirage 5: Versão de ataque ao solo, aeronave com ou sem radar; e
Mirage 50: Versão moderna da variante de ataque ao solo.
Convém mencionar-se que algumas variantes do Mirage III foram modificadas e construídas por Israel e denominadas de Nesher, Dagger e Kfir, que alcançaram relativo sucesso de exportações.

O MIRAGE III E/DBR NA FAB

Em meados da década de 60, a frota de aeronaves de caça da Força Aérea Brasileira – FAB estava dotada com os veteranos aviões Gloster Meteor F-8, nos 1º e 2º esquadrões do 1º Grupo de Aviação de Caça e no 1º/14º Grupo de Aviação, além dos ultrapassados Lockheed F-80C no 1º/4º Grupo de Aviação, que eram utilizados na formação dos pilotos de caça, que era ministrada, inicialmente, nos Lockheed AT-33A.

No Governo do Presidente Castelo Branco, o Ministério da Aeronáutica elaborou um detalhado planejamento com vistas à modernização da FAB, com o objetivo de adequá-la à nova realidade do País. Nesse estudo, estava incluída a implantação de um moderno sistema de controle do espaço aéreo, onde previa-se a utilização de um vetor supersônico, para a realização das missões de defesa aérea e no policiamento do espaço aéreo.

Quanto à seleção da aeronave, a ideia inicial era a compra do supersônico americano McDonnell Douglas Phantom F-4, que foi descartada devido à proibição daquele governo no tocante à venda de aeronaves mais sofisticadas para os países da América do Sul. O outro caça analisado foi o jato inglês English Electric Lightning, que foi considerado ultrapassado e de operação muito cara para a época.

Em 1967, dois oficiais da FAB – o Tenente-Coronel Aviador Lauro Ney Menezes e o Major Aviador Ozires Silva – foram enviados pelo Ministério da Aeronáutica à França, para avaliar o Mirage III e os estabelecimentos industriais da Dassault. Na ocasião, o Ten.-Cel. Menezes voaria num Mirage IIIB, a uma velocidade de Mach 2, tornando-se, assim, o primeiro piloto de caça da FAB a romper a velocidade do som e o primeiro a voar no caça francês.

Como a escolha do avião fazia parte de um grande projeto que englobava a detecção e o controle do tráfego aéreo, foi criada no Ministério da Aeronáutica, em 1969, uma Comissão denominada de CEPAI (Comissão de Estudos do Projeto da Aeronave de Interceptação), que tinha a finalidade de selecionar as aeronaves para a missão de defesa aérea, previsão logística, cronograma da entrega dos aviões, necessidades operacionais e outras soluções, como a decisão da construção de uma nova base aérea, que deveria ficar próxima à capital do País, com a finalidade de sediar a nova aeronave supersônica. A CEPAI foi presidida pelo Ten.-Cel.-Av. Lauro Ney Menezes.

Após estudos detalhados e análise das viabilidades, a CEPAI decidiu que a aeronave mais adequada para a FAB, naquele momento, seria o jato francês Mirage IIIE, cuja variante mais antiga IIIC havia obtido grande sucesso na Guerra dos Seis Dias, ocorrida em 1967, envolvendo Israel e os Países Árabes.

A concretização do contrato para a compra de 12 aeronaves Mirage IIIEBR e 04 Mirage IIIDBR (bipostos), foi realizada em 12 de maio de 1970 e a cidade escolhida para abrigar a nova base aérea dos primeiros supersônicos da FAB foi Anápolis, localizada no Estado de Goiás, distando cerca de 150 km de Brasília e atendendo à concepção de defesa do centro geopolítico do País. A nova Base seria chamada de Primeira Ala de Defesa Aérea – 1ª ALADA, que seria subordinada ao recém criado Comando de Defesa Aérea – COMDA.

No segmento do controle do espaço aéreo, foi criado o Sistema de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – SISDACTA, que seria o responsável por operacionalizar os meios de controle e de detecção, que funcionariam em estreito relacionamento com a Unidade dos interceptadores Mirage IIIE.

O TREINAMENTO DOS PRIMEIROS PILOTOS

O contrato de compra do Mirage IIIE previa o treinamento de um grupo de pilotos e de técnicos brasileiros, que teriam a incumbência de implantar e operar as novas e sofisticadas aeronaves, assim como os seus sensores e armamentos.

A primeira aeronave, já ostentando as cores e as estrelas da Força Aérea Brasileira, realizou o seu primeiro voo em 06 de março de 1972, na cidade francesa de Bordeaux.

Dentro do cronograma estabelecido, em 23 de maio de 1972, embarcam para a França um grupo de oito experientes pilotos de caça brasileiros, que iniciariam a fase de treinamento na nova aeronave, na Base Aérea de Dijon. Os pilotos, que já possuíam mais de 1.000 h de voo de experiência em caças a jato, teriam a responsabilidade de receber, operar e transmitir a doutrina de utilização da nova aeronave aos outros pilotos a serem classificados na 1ª ALADA.

Sob a chefia do Coronel-Aviador Antônio Henrique Alves dos Santos, que seria o comandante da nova Unidade, os seguintes oficiais faziam parte desse seleto grupo: Tenentes-Coronéis-Aviadores Jorge Frederico Bins, Ivan Moacir da Frota, os Majores-Aviadores Ronald Eduardo Jaeckel, Ivan Von Trompowsky Douat Taulois, Lúcio Starling de Carvalho, Thomas Anthony Blower e o Capitão-Aviador José Isaías Vilaça. Esses oficiais ficaram conhecidos carinhosamente como os “Dijon’s Boys” pelos atuais pilotos do Mirage IIIE, como uma forma de reconhecimento e de respeito pela abnegação e pela competência que nortearam a implantação da aeronave no Brasil.

A OPERAÇÃO DOS MIRAGE III NOS CÉUS DO BRASIL

Os Mirages IIIEBR foram designados na FAB como F-103E e foram matriculados de FAB 4910 a FAB 4922. Já os Mirage IIIDBR foram designados como F-103D e receberam as matrículas de FAB 4900 a FAB 4903.

F-103E 4921, 1973 (arquivo Rudnei Dias da Cunha).
F-103E 4914, 1ª ALADA (Arquivo Rudnei Dias da Cunha).

A primeira aeronave Mirage IIIE chegou à cidade de Anápolis em 01 de outubro de 1972, sendo transportada pelo Lockheed Hércules C-130E FAB 2456, do 1º Grupo de Transporte. Em 08 de outubro, chega a segunda aeronave e, já no dia 16 do mesmo mês, é iniciada a montagem da primeira aeronave, por técnicos brasileiros e franceses, no hangar do Esquadrão de Suprimento e Manutenção da 1ª ALADA.

A entrega das aeronaves prosseguiu segundo o cronograma estabelecido, sendo que a última aeronave foi recebida em maio de 1973 e logo colocada em condições de voo, completando a frota de 16 aviões.

O início da operação dos Mirage no Brasil ocorreu em 27 de março de 1973, com a realização do primeiro voo de um F-103 em Anápolis, que foi realizado pelo piloto de provas da Marcel Dassault, Sr. Pierre Varraut, pilotando o F-103E FAB 4910. Este voo marcou o ingresso da Força Aérea Brasileira na era supersônica.

O voo oficial, por sua vez, ocorreu em 06 de abril de 1972, quando uma esquadrilha constituída pelos F-103D FAB 4900/01 e pelos F-103E FAB 4910/12/13/14 surgiu sobre a capital do País, evento que foi assistido por todos os brasilienses e pelo Presidente da República desde o Palácio do Planalto.

Finalmente, em 20 de abril de 1972, oito Mirages se deslocam para Santa Cruz – RJ, onde participam, pela primeira vez, das solenidades do Dia da Aviação de Caça, causando excelente impressão a todos os presentes.

Nos primeiros anos de seu emprego, os segredos de sua operação, assim como as peculiaridades de sua manutenção foram plenamente dominados e alcançado o rendimento máximo da aeronave em suas atribuições de defender o espaço aéreo brasileiro.

No final dos anos 70, atendendo à nova organização operacional da FAB, a Unidade passou por um processo de evolução estrutural, quando, em 19 de abril de 1979, pela Portaria nº 069/GM3, a 1ª ALADA é desativada, sendo criada em sua substituição, a Base Aérea de Anápolis – BAAN, que teria a incumbência de sediar e de apoiar o 1º Grupo de Defesa Aérea – 1º GDA, que havia sido criado em 11 de abril de 1979, pelo Decreto nº 004 e seria o responsável pelo guarnecimento e pela operação dos F-103E/D da FAB.

A operação das aeronaves praticamente em condições reais de emprego, levam as mesmas a sofrerem certo atrito, que acarreta a perda de algumas aeronaves em acidentes, o que não foi diferente no 1º GDA. Assim, para que não houvesse uma deterioração da capacidade da defesa aérea do País, a frota de Mirage IIIE/D teve que ser reforçada por várias vezes, sempre com vistas à completar os claros da frota, com aeronaves compradas, usadas, dos estoques da Força Aérea Francesa.


Matrículas

Data de recebimento

Tipo

Contrato
FAB 4923/24/25 26/03/80 – 27/03/80 (4925)

F-103E
05/COMAM/77
FAB 4904/05 24/02/84 -15/06/84

F-103D
01/DIRMA/83
FAB 4926/27 29/09/88 – 20/12/88

F-103E
11/12/DIRMA/87
FAB 4928/29 16/03/89 – 17/04/89

F-103E
11/12/DIRMA/87
FAB 4906/07 29/05/89 – 29/06/89

F-103D
11/12/DIRMA/87
FAB 4930/31 Prevista para o final de 1999

F-103E
FAB 4908/09 Prevista para 1999

F-103D
TABELA DOS MIRAGES ADQUIRIDOS PARA RECOMPLETAMENTO DA FROTA. FONTE: FORÇA AÉREA FRANCESA – DIRMA

A PRIMEIRA INTERCEPTAÇÃO REAL

O povo brasileiro, com a cultura de grandes tradições religiosas, teve a operacionalidade de sua defesa aérea testada em uma das maiores datas religiosas por uma nação estrangeira que, com fins escusos e deliberadamente desobedecendo um pedido anterior que havia sido negado, tendo em vista que o Brasil não mantinha relações diplomáticas com a mesma, resolveu desafiar a defesa aérea do País e acabou criando uma crise internacional.

Era o dia 09 de abril de 1982, exatamente uma sexta-feira-santa, já passava das 20:00 horas e o tempo no Planalto Central estava péssimo, com vários Cumulus-Nimbus por todos os lados e, por incrível coincidência, faltava energia elétrica na BAAN, que estava com o sistema de energia elétrica de emergência acionado.

Um tráfego aéreo desconhecido e de grande porte foi detectado pelo sistema de radares da defesa aérea que acionou imediatamente o 1º GDA, para realizar a identificação do intruso. Os pilotos de alerta foram convocados e a equipe de serviço já havia preparado os dois F-103E que são mantidos, permanentemente, de sobreaviso para qualquer emergência.

F-103E 4914 (foto Antonio Ricieri Biasus)

O Major-Aviador Paulo César Pereira e o 1º Tenente-Aviador Eduardo José Pastorelo de Miranda eram os pilotos de alerta nesse dia que, cerca das 21:00 horas, decolaram para interceptar o enorme Ilyushin 62, da empresa estatal de Cuba, denominada de Cubana de Aviación, que transportava o embaixador cubano na Argentina. Convém recordar-se que a Argentina estava em estado de guerra com a Grã-Bretanha nesse período.

O Centro de Operações Militares – COPM coordenou a vetoração dos caças em direção ao intruso, que já se aproximava da cidade de Porto Nacional – Norte de Goiás (atual Tocantins), com a eficiente atuação dos controladores de voo do Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA-1, localizado em Brasília.

A interceptação foi perfeita e a aeronave cubana, que no início, resolveu ignorar as tentativas de diálogo efetuadas pelo COPM, só obedeceu quando o controlador pediu que observasse ao seu lado os dois interceptadores Mirage IIIE do 1º GDA, que estavam prontos para entrar em ação caso as ordens do controle fossem desobedecidas.

O Ilyushin foi obrigado a pousar no Aeroporto Internacional de Brasília, onde passou pelas medidas de controle de solo, previstas na regulamentação de defesa aérea. Assim, estava concluída a primeira missão de interceptação real, realizada com absoluto sucesso pelos Mirages Brasileiros!

AYRTON SENNA VOA NO MIRAGE III

Pela complexidade do seu voo, que exige a necessidade de conhecimento dos seus sofisticados sistemas, como a utilização do assento ejetável, sistema de oxigênio e comunicações, poucos são os civis que foram autorizados a realizar um voo no F-103. Dentre esse seleto grupo, o piloto que havia conquistado em 1988 o título de campeão mundial de Fórmula 1: Ayrton Senna da Silva foi o mais célebre de todos.

O voo aconteceu em 29 de abril de 1989, realizado no F-103D FAB 4904, sob o comando do Tenente-Coronel-Aviador Alberto de Paiva Côrtes, então comandante do 1º GDA, ocasião que o campeão das pistas pode romper a barreira do som e experimentar os comandos de uma máquina tão sofisticada como os atuais carros de Fórmula 1.

F-103D 4904 (foto Rudnei Dias da Cunha).

ATUALIZAÇÃO NA OPERAÇÃO DOS MIRAGES NOS ANOS 90

A partir de 1989, os Mirages III passaram por um processo de modernização, como a inclusão de superfícies “canard” nos aviões, o que melhorou a sua manobrabilidade em baixas velocidades e nas manobras de aproximações para pouso. Essas transformações foram realizadas no Parque de Material Aeronáutico de São Paulo – PAMA SP, que é o responsável pela realização dos IRAN (Inspection and Repair As Necessary) e pelo ESM da BAAN.

Ao completarem o processo de modernização, os Mirage III emergiam com um novo acabamento, em dois tons de cinza: FS 36118 Gunship Gray nas partes superiores e laterais, e FS 36293 Fog Gray nas inferiores.

As grandes dimensões do País exigiam uma aeronave interceptadora com possibilidades de permanecer mais tempo em voo. Assim, o F-103E FAB 4929 foi equipado com o sistema de reabastecimento em voo, com a inclusão de uma sonda, do mesmo tipo da usada nos Mirage 50, para possibilitar tal operação. O primeiro voo de reabastecimento no ar ocorreu em 22 de abril de 1992, quando o FAB 4929 foi reabastecido por uma aeronave-tanque Hércules KC-130H do 1º/1º GT. Porém, em 1993 essa modificação foi cancelada, e a sonda foi retirada do FAB 4929.

Um outro acontecimento importante ocorreu em 12 de abril de 1993, quando foi lançado para treinamento, pela primeira vez no Brasil, um míssil MATRA R530. O lançamento ocorreu nas proximidades de Natal – RN, ocasião que foi utilizada a aeronave FAB 4915.

Atendendo à nova sistemática de emprego da aeronave na FAB, a partir de 1995 os Mirage passaram a ser utilizados em missões de emprego ar-solo nas modalidades de bombardeiro nivelado, bombardeiro rasante, lançamento de foguetes e tiro terrestre utilizando os canhões de 30 mm, com absoluto sucesso e confirmando a excelência da aeronave também como plataforma de ataque ao solo, emprego este que até então não era realizado no Brasil, não obstante, a aeronave estivesse com provisão para tal.

A partir de meados dos anos 90, a participação do 1º GDA em operações de treinamento conjunto com unidades de combate de outros países começa a ser rotina para os Jaguares, pois, em outubro de 1995, participa da Operação Tigre II, realizada em Natal – RN, onde “enfrenta” aeronaves F-16 da USAF (Força Aérea dos Estados Unidos).

Continuando com os exercícios conjuntos, em março de 1997, é realizada, também em Natal – RN, a Operação Mistral I, onde os F-103 “enfrentaram” os seus irmãos mais novos: o Mirage 2000C da Força Aérea Francesa – FAF. Finalmente, em março de 1999, agora em Santa Maria – RS, é realizada a Operação Mistral II, desta vez contra os Mirage 2000C da FAF.

F-103E 4914 (foto Rudnei Dias da Cunha).
F-103E 4930 (foto Rudnei Dias da Cunha).

Como a vida útil dos mísseis ar-ar MATRA R530 chegava ao fim de seu ciclo operacional, em meados de 1997, os Mirages foram preparados para o recebimento dos mísseis israelenses Python-III, de terceira geração, com a vantagem de que os mísseis de fabricação nacional MAA-1 Piranha também poderão ser instalados nos mesmos terminais do Phyton-III.

Pelo planejamento do Estado-Maior da Aeronáutica – EMAER e com as modernizações introduzidas nas aeronaves, foi prevista a utilização dos mesmos até 2005, quando foram efetivamente desativados. Naquele ano, a FAB adquiriu dez Mirage 2000C e dois Mirage 2000B para substituir os Mirage III.

CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS (Dassault Mirage IIIE/D BR F-103E/D)

  • Motor: um turbojato SNECMA Atar-09C7/038 de 13.320lb de empuxo, com pós-queimador
  • Envergadura: 8,22 m
  • Comprimento: 15,03 m
  • Altura: 4,25 m
  • Superfície alar: 34,85 m2
  • Peso: (F-103E) 7.050 kg, (F-103D) 5.880Kg (vazio); (F-103E) 13.500 kg, (F-103D) 7.909 kg (máximo)
  • Velocidade: (F-103E) 2.350 km/h, Mach 2.2, (F-103D) 2.570 km/h, Mach 2.2 (máxima)
  • Razão de ascensão: (F-103E) 2.666 m/min, (F-103D) 2.950 m/min
  • Teto de serviço: (F-103E) 23.000 m, (F-103D) 17.700 m
  • Alcance: (F-103E) 1.610 km, (F-103D) 1.900 km (máximo)
  • Armamento: dois canhões DEFA 552 de 30 mm; 3 pilones com capacidade para até 1.360 kg de bombas, foguetes, mísseis ou tanques alijáveis de combustível.

Perfis:

F-103D 4902, 1º ALADA (1972-1981).
F-103D 4901, 1º Grupo de Defesa Aérea (1995-2005).
F-103E 4912, 1º ALADA (1972-1981).
F-103E 4915, 1º Grupo de Defesa Aérea (1981).
F-103E 4910, 1º Grupo de Defesa Aérea (1982).
F-103E 4927, 1º Grupo de Defesa Aérea.
F-103E FAB 4919, 1º GDA (1990-1995).
F-103E FAB 4925, 1º GDA (1996); note míssil ar-ar Python 3 sob a asa.
F-103E FAB 4924, 1º GDA (1996).
F-103E 4930, 1º Grupo de Defesa Aérea (2005).

Bibliografia:

  1. J. Flores Jr., “Aeronaves Militares Brasileiras – 1916 – 2015”, Action Editora, Rio de Janeiro, 2015.
  2. C. Lorch, “A Caça Brasileira – nascida em combate”, Action Editora, Rio de Janeiro, 1993.
  3. E. G. da C. Pereira, “O Céu é nosso! A Defesa Aérea Brasileira”, INCAER, Opúsculo nº 47, Rio de Janeiro, 2018.