Alberto Santos-Dumont

Pai da Aviação

Alberto Santos-Dumont.

A história de Alberto Santos-Dumont confunde-se com a conquista dos ares pela Humanidade.

Voar pelos céus sempre foi um sonho do Homem; prova disso são as figuras míticas da Antiguidade, como Dédalo e Ícaro na Antiga Grécia, Mercúrio na mitologia romana, e Thor para os povos nórdicos. Voar representava Poder – pois enquanto o Homem já havia se mostrado capaz de conquistar as terras e as águas, aos céus só os pássaros podiam alçar-se.

O helicóptero e o ornitóptero de Leonardo da Vinci.

Muitos foram os que tentaram alçar voo ao longo dos tempos; houve aqueles que procuraram imitar os pássaros, prendendo um par de asas ao corpo, e que encontraram a morte ao jogarem-se de torres e muros. Tais tentativas, feitas sem base científica, pouco contribuíram para tornar realidade esse sonho. Na metade do século XV, o sábio Leonardo da Vinci procedeu ao estudo das asas dos pássaros, e projetou vários artefatos, como o ornitóptero (com asas batentes movidas a energia humana), helicópteros (com hélices movidas por molas), e paraquedas. Em suas mais de 5.000 páginas de anotações sobre o voo, vários problemas foram estudados e resolvidos, incluindo o do cálculo da área de sustentação; porém tal obra ficou perdida por quase três séculos.

Outros continuaram com suas tentativas de voar. No ano de 1709, o Pe. Bartolomeu de Gusmão, brasileiro, nascido em 1685 na Vila de Santos, mostrou a D. João V, Rei de Portugal, que um engenho “mais-leve-do-que-o-ar”, ou balão, poderia erguer-se ao ar. Assim, a 5 de agosto de 1709, um pequeno balão de papel, tendo o ar em seu interior sido aquecido por chama, elevou-se a 20 palmos de altura, dentro de um palácio; dias depois, nova experiência foi realizada, desta vez ao ar livre, novamente com sucesso.

Em 1783, os irmãos Montgolfier construíram um balão usando o mesmo princípio do ar aquecido, o qual elevou-se aos céus franceses a uma altura de 2.000 m, no dia 4 de junho do mesmo ano. Com a descoberta do hidrogênio, foi possível utilizar tal gás ao invés do ar aquecido, conforme foi demonstrado por Jacques Charles em 23 de agosto de 1783. Apesar de mais perigoso, oferecia a vantagem de permitir viagens mais longas.

Porém, tais engenhos satisfaziam apenas parcialmente o anseio de voar, pois não permitiam o vôo controlado — o homem estava à mercê da vontade dos ventos. Alguns pioneiros da aviação procuraram adaptar motores a vapor (Giffard, 1855) e motores elétricos movidos a baterias (Renard e Krebs, 1884) para resolver o problema da dirigibilidade. Tais tentativas mostraram-se infrutíferas, pois o peso excessivo de tais motores tornavam os engenhos impraticáveis. Somente o desenvolvimento dos motores a combustão interna ao final do século XIX permitiu resolver este problema a contento.

Dentre esses pioneiros, encontramos ainda dois brasileiros: Júlio César Ribeiro de Souza, o qual em 1880 propôs um balão dirígivel – “fusiforme dissimétrico” – provido de elementos de sustentação que permitiam o voo dirigido, tendo sido construído e testado com sucesso em 1881, em Paris; e Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, que em 1902 projetou o balão dirigível PAX, tendo infelizmente falecido quando aquele explodiu em voo, em Paris.

Voltamos agora nossa atenção ao brasileiro Alberto Santos-Dumont. Nascido em Cabangu, então distrito de João Aires, Minas Gerais, a 20 de julho de 1873, o jovem Santos-Dumont sempre demonstrou interesse pela mecânica. Tendo ido viver em Paris aos 18 anos, Santos-Dumont logo tomou interesse pelo voo em balões.

O balão “Brazil”, em ascensão no dia 4 de julho de 1898 (foto Musée de l’Air et de l’Espace).

Após ter feito seu primeiro voo em um balão livre, em 23 de maio de 1898, encomendou um pequeno balão de 113 metros cúbicos, o qual foi batizado com o nome “Brazil”. Logo passou a destacar-se dos demais aeronautas em Paris; porém tal não foi sem sustos, tendo-se envolvido em vários acidentes.

Santos-Dumont subvencionava suas atividades aeronáuticas com seu próprio dinheiro (em 1901, encher um balão de 620 metros cúbicos com hidrogênio custava-lhe aproximadamente US$ 500,00). Inúmeros balões dirigíveis foram construídos por Santos-Dumont; com eles se demonstrou que era possível utilizar motores a explosão em balões de hidrogênio, contrariando as opiniões da época. O seu balão nº 2, de 25 metros de comprimento, era provido de um motor de 1,5 CV de potência, pesando 30 Kg, o qual girava uma hélice a 1200 r.p.m. O nº 2 deslocava-se de forma lenta mas controlada na direção em que o brasileiro lhe apontava!

Santos-Dumont e o dirigível nº 5 circunavegando a Torre Eiffel.

Até o mês de julho de 1901, Santos-Dumont era conhecido apenas nos círculos aeronáuticos de Paris. Nos dias 12 e 13 daquele mês, ele circunavegou a torre Eiffel na presença de uma multidão, pilotando o seu dirigível nº 5. A partir daí Santos-Dumont passou a ser reconhecido pela imprensa mundial. No dia 19 de outubro de 1901, o cobiçado prêmio Deutsch, no valor de 50.000 francos, foi arrebatado por Santos-Dumont. Instituído pelo magnata do petróleo Henri Deutsch de La Meurthe, o prêmio Deutsch seria concedido àquele que, entre 1º de maio de 1900 e 1º de outubro de 1903, circundasse a torre Eiffel em um tempo máximo de 30 minutos, partindo e retornando do campo de Saint-Cloud, por seus próprios meios e sem tocar o solo ao longo do percurso. Às 14h42min, Santos-Dumont partiu com seu dirigível nº 6, com 33 metros de comprimento e 622 metros cúbicos.

Santos-Dumont continuou desenvolvendo outros dirigíveis, mas o desafio de construir um engenho “mais-pesado-do-que-o-ar” também foi vencido pelo pioneiro. Já em 17 de dezembro de 1903, os irmãos Wright, nos EUA, utilizaram-se de uma catapulta rudimentar (com uso de um plano inclinado) para lançarem em voo o seu biplano Flyer, o qual deu um salto de 40 metros (voos subseqüentes melhoraram esta distância até pouco mais de 200 metros). Santos-Dumont, no entanto, seria o primeiro a construir e levantar voo em uma aeronave “mais-pesada-do-que-o-ar” por seus próprios meios.

Santos-Dumont a bordo do 14-bis.

Em 1906, Santos-Dumont tomou a nacele de seu dirigível nº 14 e adicionou a ela uma fuselagem e asas biplanas, cujas estruturas celulares lembravam as pipas que ainda hoje são encontradas no Japão. O motor, um Antoinette V8 de 24 CV de potência, era instalado à frente das asas, girando uma hélice propulsora; o avião, denominado 14-bis (devido ao número do dirigível do qual descendia), voava com a cauda à frente. A envergadura das asas era de 12 metros e a fuselagem tinha 10 metros, sendo equipado com um trem de pouso triciclo. Santos-Dumont empreendeu vários testes com o 14-bis, através de um sistema de cabos e roldanas e um plano inclinado, no qual testava a dirigibilidade do avião. Aqui vemos mais um feito original do aeronauta; construiu aquilo que pode-se chamar de primeiro simulador de voo da história.

A 21 de agosto de 1906, Santos-Dumont realizou a primeira tentativa de voo, mas não logrou sucesso, dada a pouca potência do motor do 14-bis. No dia 13 de setembro, tendo reequipado o 14-bis com um motor de 40 CV ou 50 CV, obtido através do futuro construtor de aviões Louis Bréguet, Santos-Dumont realizou o primeiro voo, de 7 ou 13 metros (segundo diferentes versões), o qual culminou com um pouso violento, no qual a hélice e o trem de pouso foram danificados.

O voo do 14-bis em 23 de outubro de 1906.

No dia 23 de outubro, Santos-Dumont alçou voo do campo de Bagatelle, na presença de uma multidão e de representantes do Aeroclube de França. Por seus próprios meios motrizes, o 14-bis rolou por 100 metros e levantou voo, tendo percorrido 60 metros em 7 segundos, em um voo nivelado a poucos metros do solo. Com esse feito, Santos-Dumont arrebatou os 3.000 francos do prêmio Archdeacon, criado em julho de 1906 pelo americano Ernest Archdeacon, para premiar o primeiro aeronauta que conseguisse voar por mais de 25 metros em um vôo nivelado.

A 12 de novembro de 1906, Santos-Dumont melhorou ainda mais a performance do 14-bis e a sua habilidade em pilotá-lo, ao realizar vários voos, sempre aumentando a distância percorrida, culminando com um com duração de 21,5 segundos, a uma distância de 5 ou 6 metros do solo, percorrendo 220 metros a uma velocidade média de 41 Km/h. Sem dúvida, aquele primordial sonho do Homem – voar livre como os pássaros – tornou-se realidade naquele dia, pelos feitos do brasileiro Santos-Dumont.

O Demoiselle em voo.

O aeronauta prosseguiu com seus experimentos, construindo outros dirigíveis, bem como a aeronave nº 19 (foto ao lado), chamado inicialmente de “Libellule” (posteriormente rebatizado como “Demoiselle”). Era um pequeno avião monoplano de asa alta com apenas 5,10 metros de envergadura, 8 metros de comprimento e pesando pouco mais de 110 Kg com Santos-Dumont a bordo. Com ótimo desempenho, alcançando facilmente 200 metros de distância nos vôos iniciais e velocidades de mais de 100 Km/h, o “Demoiselle” foi a última aeronave construída por Santos-Dumont, o qual retirou-se das atividades aeronáuticas em 1910.

Santos-Dumont nunca aceitou o fato de que sua invenção fosse utilizada para fins bélicos, tão bem demonstrado durante a Grande Guerra de 1914-1918. Ele acreditava que o avião deveria servir para unir as pessoas, como meio de transporte e, por que não, de lazer, como ele mesmo havia demonstrado, ao deslocar-se em suas aeronaves em Paris para assistir à ópera ou visitar amigos. Tendo retornado posteriormente ao Brasil, Santos-Dumont veio a falecer em 23 de julho de 1932, na cidade de Guarujá, São Paulo.

O Brasil, orgulhoso dos feitos de Santos-Dumont, prestou-lhe inúmeras homenagens, e em 22 de setembro de 1959, a ele foi conferida postumamente a patente honorária de Marechal-do-Ar; e no septuagésimo aniversário de seu memorável voo em torno da torre Eiffel a 19 de outubro de 1901, Santos-Dumont foi declarado “Patrono da Força Aérea Brasileira”. Mais recentemente, em 23 de outubro de 1991, foi conferido a Santos-Dumont, pelo governo brasileiro, o título de “Pai da Aviação”; o título de “Patrono da Força Aérea Brasileira” foi transferido ao Marechal-do-Ar Eduardo Gomes.

Os feitos aeronáuticos do Homem foram muitos e grandiosos neste século; pouco mais de 68 anos após Santos-Dumont circundar a torre Eiffel, o astronauta norte-americano Neil Armstrong pisava o solo da Lua, a 20 de julho de 1969 – exatamente no dia em que Santos-Dumont completaria 96 anos de vida. Uma estranha coincidência, que nos faz admirar os feitos daquele brasileiro, verdadeiro Pai da Aviação.

Bibliografia:

  1. N.F. Lavenère-Wanderley, “The glory of Santos-Dumont”, Ministério da Aeronáutica.
  2. E. Angelucci, “Todos os aviões do mundo”, Melhoramentos, São Paulo, 1979.
  3. C.F. Lorch e J. Flores Jr., “Aviação brasileira – sua história através da arte”, Action, Rio de Janeiro, 1994.