A Aviação de Patrulha

A história da Aviação de Patrulha da FAB remonta aos dias sombrios de 1942. O Brasil era então um país neutro, cuja colaboração os países aliados cobiçavam, de forma a poderem controlar o tráfego marítimo no Atlântico Sul, incluindo a tão importante passagem entre Natal e Dakar (noroeste da África). Além disso, temia-se que forças do Eixo ocupassem Dakar (cidade controlada pelo governo colaboracionista francês de Vichy), de onde poderiam bloquear a passagem de navios aliados e atacar o território brasileiro.

Após o início da guerra, os países americanos decidiram criar uma zona de neutralidade ao longo de suas costas, de forma a proteger a sua navegação. De pronto a FAB iniciou patrulhas marítimas, porém a falta de material adequado obrigou-a a utilizar aviões NA T-6 e Vought V-65B Corsair; o primeiro, avião de treinamento (armado com metralhadoras e bombas de contato) e, o segundo, um biplano da década de 30. Ambos eram monomotores, o que tornava as missões sobre o mar ainda mais perigosas; é hoje sabido, no entanto, que a simples presença física desses aviões impediram muitos ataques de submarinos, conforme informações obtidas dos comandantes de submarinos inimigos e documentos oficiais.

De forma a reequipar a sua recém-nascida Força Aérea, a qual não possuía aviões modernos, o Brasil procedeu à compra de aviões norte-americanos, os quais começaram a chegar ao Brasil em 1942. No primeiro lote, doze caças Curtiss P-36, dois Douglas B-18 e seis NA B-25 Mitchell foram recebidos e baseados em Fortaleza, onde uma unidade de treinamento da FAB havia sido formada – o Agrupamento de Aviões de Adaptação – com auxílio de pessoal das Forças Aéreas do Exército dos EUA (USAAF).

B-18 7032 (via A. Camazano A.)

Deve-se relembrar a figura do Brig. Eduardo Gomes, então comandante das 1ª e 2ª Zonas Aéreas (cobrindo as regiões norte e nordeste do país), pois seu empenho em obter modernos aviões para a FAB foi decisivo para o reequipamento da mesma. Em dezembro daquele ano, os primeiros dez A-28A Hudson chegaram, com outros 16 sendo recebidos no mês seguinte; em março de 1943 chegou o último Hudson a ser recebido pela FAB. Estes aviões foram baseados em Natal, Recife e Salvador.

A-28A 41-47172 “Britânia nº 1” – aeronave doada à FAB pela “Fraternidade do Fole”(via N.L. Senandes).

No início de 1942 o Brasil cortou relações diplomáticas com os países do Eixo e imediatamente após cinco navios brasileiros foram torpedeados e afundados. Os primeiros submarinos a realizarem ataques na costa brasileira foram os italianos “Calvi”, “Barbarigo”, “Capellini” e “Archimede”, baseados em Bordeaux, França. Durante os meses de maio, junho e julho, oito outros navios foram afundados por submarinos alemães, com o objetivo de interromper o fornecimento aos EUA de materiais estratégicos produzidos no Brasil. As tabelas a seguir apresentam dados relativos a:

  1. Navios brasileiros atacados por forças da Alemanha e Itália, 1941-1945
  2. Destino dos submarinos alemães que afundaram navios brasileiros ou foram atacados pela FAB, 1942-1945

O primeiro ataque efetuado por uma tripulação brasileira a um submarino alemão foi no dia 22 de maio de 1942. Um B-25 Mitchell, do Agrupamento de Aviões de Adaptação, sediado em Fortaleza, encontrava-se em patrulha nas imediações do arquipélago de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas, onde quatro dias antes havia sido afundado o navio mercante brasileiro “Comandante Lyra”, pelo submarino italiano “Barbarigo”.

B-25B FAB “10”, Agrupamento de Aviões de Adaptação, Base Aérea de Fortaleza, 1942.

Às 14 horas, a tripulação do B-25 – sob o comando do Cap.-Av. Parreiras Horta (FAB) e composta pelos Cap.-Av. Pamplona (FAB), 1st Lt. Schwane (USAAF), Sgt. Yates (USAAF), S/Sgt. Tyler (USAAF) e S/Sgt. Robinson (USAAF) – surpreendeu um submarino alemão navegando na superfície, o qual imediatamente reagiu com forte tiro de artilharia antiáerea à presença do B-25.

De acordo com as ordens então em vigência, uma vez que o Brasil encontrava-se em estado de neutralidade, as tripulações só poderiam engajar unidades inimigas caso fossem atacadas inicialmente. Assim sendo, a tripulação do Mitchell lançou suas cargas de profundidade, as quais caíram próximas ao submarino – a foto à direita mostra a tripulação do B-25 após o ataque. Cinco dias após, outros dois B-25 da mesma unidade da FAB efetuaram ataques a submarinos.

Em agosto de 1942, o submarino alemão U-507 afundou seis outros navios, com a perda de 877 pessoas. Em consequência, o governo brasileiro declarou guerra à Alemanha Nazista e à Itália em 22 de agosto de 1942.

No dia 26 de agosto, o Vultee V-11GB2 ‘122’, tripulado pelos Ten.-Av. Alfredo Gonçalves Corrêa (piloto), Asp. Manoel Poerner Mazeron (bombardeador) e Sgt. Carlos Zell (operador de rádio e metralhador) decolou da Base Aérea de Porto Alegre (hoje Base Aérea de Canoas). Estando armado com três bombas de demolição de 150 Kg, três metralhadoras .30 e duas .50, veio a atacar um submarino na altura de Araranguá (SC). Com as avarias sofridas, o submarino adernou; o avião foi forçado a descer em Osório (RS), por ter sido atingido por estilhaços das bombas. A 28 do mesmo mês, o Vultee V-11GB2 ‘7’, pilotado pelo Cap. Manuel Rogério de Souza Coelho, atacou um submarino na altura de Iguape (SP), sem alcançar danos visíveis.

Vultee V-11GB2 do 1º Regimento de Aviação (arquivo Rudnei Dias da Cunha).

De forma a destruir a ofensiva submarina aliada no Atlântico Sul, os EUA destacaram aeronaves de combate para as bases no nordeste do Brasil. Em janeiro de 1943, os esquadrões VP-74, VP-83 and VP-94 da US Navy encontravam-se baseados em Natal — pela metade de 1943, já haviam cinco grupos da USN e pelo fim do ano estes já contavam uma dezena.

Alguns dos ataques realizados pela FAB em 1943:

  1. 14 de fevereiro: B-25B do 1º Grupo de Bombardeio (Recife), pilotado pelo Ten.-Av. Walter Newmayer – inconclusivo.
  2. 19 de fevereiro: NA-44 ’07’, de Salvador, pilotado pelo Maj.-Av. Aquino (comandante da Base) – inconclusivo.
  3. 22 de fevereiro: NA-44 ’08’, de Salvador, pilotado pelo 1º Ten.-Av. Franqueira – ataque com bombas, sem danos visíveis.
  4. 5 de abril: A-28A Hudson, de Salvador, pilotado pelo 1º Ten.-Av. Ivo Gastaldoni – ataque com cargas de profundidade a submarino localizado a sessenta quilômetros de Aracaju, observados debris e larga mancha de óleo no mar após o ataque.
  5. 8 de maio: B-18B (destacado em Recife), pilotado pelo Ten.-Av. Zamir de Barros Pinto – ataque ao submarino alemão U-154, impedindo-o de atacar o cargueiro “Motocarline”.
  6. 25 de junho: FW-58B, do Galeão, pilotado pelo Ten.-Av. Georg R.W. Bungner – inconclusivo.
  7. 3 de julho: A-28A Hudson, de Santa Cruz, pilotado pelo Ten.-Av. Clóvis Labre de Lemos – ataque ao U-199, sem danos.
  8. 30 de outubro: PBY-5 ’01’, do 1º Grupo de Patrulha (Galeão), pilotado pelo Cap.-Av. Dionísio Cerqueira de Taunay – ataque ao U-170, tendo a aeronave sofrido vários danos causados pela artilharia antiaérea do submarino; o U-170 foi danificado no ataque mas conseguiu escapar.

Mas foi o ataque realizado em 31 de julho de 1943 que se reveste de especial importância. Às primeiras horas da manhã, um Martin PBM-3C Mariner do esquadrão VP-74 (USN), baseado no Rio de Janeiro, localizou e atacou o submarino alemão tipo IXD-2 U-199. O U-199 foi danificado mas não afundou, e permaneceu atirando com suas peças de artilharia antiaérea no PBM-3C.

As defesas brasileiras já haviam sido alertadas e um A-28A Hudson da FAB imediatamente levantou vôo do Rio de Janeiro, pilotado pelo Asp.-Av. Sergio Cândido Schnoor. Ele atacou o U-199 com duas cargas de profundidade Mk. 17,  as quais caíram perto do submarino; efetuando um segundo ataque, o Asp.-Av. Schnoor metralhou o U-199 com as metralhadoras localizadas no nariz do Hudson, o que incapacitou alguns dos marinheiros alemães que manejavam a artilharia antiaérea do submarino.

O Hudson deixou então a área e um PBY-5 da FAB, pilotado pelo Asp.-Av. Alberto Martins Torres, o qual estava em patrulha próximo ao local, foi destacado para atacar o U-199. O submarino foi bombardeado com três cargas de profundidade Mk. 44 e o submarino começou a afundar. Este PBY-5 foi posteriormente batizado de Arará, em honra à tripulação do navio de mesmo nome que havia sido afundado por um submarino em 1942.

PBY-5 nº 2 Catalina “Arará”, a aeronave que afundou o submarino alemão U-199 ao largo do Rio de Janeiro, em 1943.

Em 1943 uma unidade especializada foi criada, a “United States-Brazilian Training Unit” (UsBaTu); treinamento específico na arte da guerra anti-superfície/anti-submarina foi dado por instrutores norte-americanos, tendo a primeira turma se graduado em 26 de novembro de 1943. Neste ano, aviões Lockheed PV-1 Ventura foram recebidos pela FAB (os quais os designou como B-34 em 1945), o que aumentou sua capacidade de resposta à ameaça submarina. Entretanto, após o mês de novembro de 1943, não mais se localizaram submarinos alemães em águas brasileiras, seja por unidades da FAB ou da USN.

Dois B-34 Ventura da FAB em voo.

Em 17 de agosto de 1944 foi criado, na Base Aérea do Recife, o 1º Grupo de Bombardeio Médio, o qual passou a operar os PV-1. Nesse mesmo ano, a FAB recebeu quatro Lockheed PV-2 Harpoon, os quais foram utilizados pelo 2º Grupo de Bombardeio Médio, na Base Aérea de Salvador. Essas aeronaves foram utilizadas pela FAB até 1957, quando foram substituídas pelos Lockheed P2V-5 Neptune.

B-34A 5048 (via N.L. Senandes).

O batismo de fogo da FAB foi feito durante a ofensiva submarina de 1942-1943 e assim as unidades da Aviação de Patrulha tiveram a honra de serem as primeiras unidades da FAB a atacar aquele inimigo que tantas perdas infligiu às Marinhas Mercantes Aliadas e do Brasil.

No pós-guerra

A FAB adquiriu em 1957 quatorze exemplares do Neptune, os quais foram designados como P-15 (entre 1971 e 1972, eles foram designados como P-2E). O “Netuno” foi usado exclusivamente pelo 1º/7º GAV, na Base Aérea de Salvador, e esteve envolvido no episódio conhecido como “Guerra da Lagosta”, mantendo sob vigilância navios da Marinha de Guerra francesa.

P-15 7013 (arquivo Rudnei Dias da Cunha).

De 1958 a 1976, os P-15 realizaram inúmeras missões de patrulhamento marítimo; em uma delas, efetuada nos dias 22 e 23 de julho de 1967, estabeleceu-se o recorde sul-americano de permanência no ar, com 25h15min de duração.

Em 1957, foi criado o 1º Grupo de Aviação Embarcada – 1º GAE, com a finalidade de operar os aviões Grumman S-2 Tracker (denominados P-16 na FAB) a bordo do Minas Gerais, porta-aviões leve da Marinha do Brasil.

Vinte aviões foram adquiridos, sendo os P-16 (versão S-2A), numerados de 7014 a 7026, e os P-16E (versão S-2E), numerados de 7030 a 7037. Além disso, três P-16 (7017, 7024 e 7025) foram modificados para o padrão UP-16, realizando missões de transporte.

P-16E 7033 (via L. M. Thiesen).

A FAB também opera o EMB P-95 Bandeirante Patrulha, uma versão de patrulha do C-95 Bandeirante. O P-95 foi operado pelo 1º/7º GAV (entre 1978 e 2011), 2º/7º GAV, 3º/7º GAV, 1º GAE (1992-1998) e 4º/7º GAV (1998-2011); o avião é equipado com um radar no nariz, holofote de busca e leva foguetes e bombas como armamento.

P-95B 7108, 2º/7º GAV (foto Rudnei Dias da Cunha).

Em 2008, nove P-95B foram selecionados para serem modernizados e elevados ao padrão P-95BM, os quais dispõem de aviônica digital, produzida pela AEL Sistemas, ar-condicionado, novos sistemas de comunicação, radar Seaspray 5000E, torreta de visão infravermelha (FLIR) e suíte de contra-medidas eletrônicas. Essa versão equipará os 2º/7º GAV e 3º/7º GAV, e as primeiras entregas estavam previstas para 2015.

P-95BM 7103, 2º/7º GAV (foto A. Camazano A.)

Em 2011, a FAB recebeu o primeiro P-3AM, de um total de nove, todos eles operados pelo 1º/7º GAV. O P-3AM é dotado de modernos sensores e é armado com cargas de profundidade, torpedos e mísseis ar-superfície AGM-84 Harpoon.

P-3AM 7202 (foto Rudnei Dias da Cunha).

A Aviação de Patrulha comemora suas atividades no dia 22 de maio.

Bibliografia:

  1. “História Geral da Aeronáutica Brasileira”, V. 3, Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, Rio de Janeiro, 1991.
  2. J. Baugher, Lockheed B-34 Ventura – Chapter 4: PV-1 for Navy. In: US Military Aircraft
  3. J. Baugher, Lockheed B-34 Ventura – Chapter 5: PV-2 Harpoon. In: US Military Aircraft
  4. J. Flores Jr., “Aeronaves Militares Brasileiras – 1916 – 2015”, Action Editora, Rio de Janeiro, 2015.
  5. N.F. Lavenère-Wanderley, “História da Força Aérea Brasileira”, 2ª Ed.
  6. F.C. Pereira Netto, “Aviação Militar Brasileira 1916-1984”, Editora Revista de Aeronáutica, Rio de Janeiro, 1984.

* Agradecimentos ao Cel.-Av. Wagner Eustáquio de Araújo pela colaboração na preparação desta página.

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